Começou a surgir, sobretudo a partir da década de 1960, uma economia cada vez mais transnacional, ou seja, um sistema de atividades econômicas para as quais os territórios e fronteiras de Estados não constituem o esquema operatório básico, mas apenas fatores complicadores.No caso extremo, passa a existir uma "economia mundial" que na verdade não tem base ou fronteiras determináveis, e que estabelece, ou antes impõe, limites ao que mesmo economias de Estados muito grandes e poderosos podem fazer. Em dado momento do início da década de 1970, uma economia transnacional assim tornou-se uma força global efetiva. E continuou a crescer, no mínimo mais rapidamente que antes, durante as Décadas de Crise após 1973. Na verdade, seu surgimento criou em grande parte os problemas dessas décadas. Claro que foi acompanhada de uma crescente internacionalização. Entre 1965 e 1990, a porcentagem do produto mundial destinado às exportações iria duplicar.
Três aspectos dessa transnacionalização foram particularmente óbvios: as empresas transnacionais (muitas vezes conhecidas como "multinacionais"), a nova divisão internacional do trabalho e o aumento de financiamento offshore (externo). Este último foi não só uma das primeiras formas de transnacionalismo a desenvolver-se, mas também uma das que demonstraram mais vividamente a maneira como a economia capitalista escapava do controle nacional, ou de qualquer outro.
O termo offshore entrou no vocabulário público civil a certa altura da década de 1960, para descrever a prática de registrar a sede legal da empresa num território fiscal generoso, em geral minúsculo, que permitia aos empresários evitar os impostos e outras restrições existentes em seu próprio país. Pois todo Estado ou território sério, por mais comprometido que estivesse com a liberdade de obter lucros, havia estabelecido em meados da década de 1960 certos controles e restrições à conduta de negócios legítimos, no interesse de seu povo. Uma combinação convenientemente complexa e engenhosa de buracos legais nas leis empresariais e trabalhistas dos bondosos miniterritórios - por exemplo, Curaçao, Ilhas Virgens e Liechtenstein - podia produzir maravilhas no balanço da empresa. Pois a essência da prática do offshore está em transformar um enorme número de buracos numa estrutura empresarial viável mas não regulamentada. Por motivos óbvios, a prática do offshore prestava-se particularmente a transações financeiras, embora o Panamá e a Libéria há muito subsidiassem seus políticos com a renda do registro de navios mercantes de outros países cujos donos achavam a mão de obra e os regulamentos de segurança patrícios demasiado onerosos.
Em dado momento da década de 1960, um pouco de engenhosidade transformou o velho centro internacional financeiro, a City de Londres, num grande centro offshore global, com a invenção da "euromoeda", ou seja, sobretudo "eurodólares". Os dólares depositados em bancos não americanos e não repatriados, sobretudo para evitar as restrições da legislação bancária americana, tornaram-se um instrumento financeiro negociável. Esses dólares. Esses dólares em livre flutuação, acumulando-se em grandes quantidades graças aos crescentes investimentos americanos no exterior e aos enormes gastos políticos e militares do governo dos EUA, se tornaram a fundação de um mercado global, sobretudo de empréstimos a curto prazo, que escapava a qualquer controle. Seu crescimento foi sensacional. O mercado de euromoeda líquida subiu de cerca de 14 bilhões de dólares em 1964 para aproximadamente 160 bilhões em 1973 e quase 500 bilhões cerca de cinco anos depois, quando esse mercado se tornou o principal mecanismo para reciclar o Klondike de lucros do petróleo que os países da OPEP de repente se viram imaginando como gastar e investir. Os EUA foram o primeiro país a se ver à mercê dessas vastas e multiplicantes enxurradas de capital solto que varriam o globo de moeda em moeda, em busca de lucros rápidos. Todos os governos acabaram sendo vítimas disso, pois perderam o controle das taxas de câmbio e do volume de dinheiro em circulação no mundo. Em princípios da década de 1990, até mesmo a ação conjunta de grandes bancos centrais revelou-se impotente.
Que empresas baseadas num país, mas operando em vários, expandissem suas atividades era bastante natural. Tampouco eram novas essas "multinacionais". As empresas americanas desse tipo aumentaram suas filiais estrangeiras de cerca de 7,5 mil em 1950 para mais de 23 mil em 1966, a maioria na Europa Ocidental e no hemisfério ocidental. Contudo, empresas de outros países as foram seguindo cada vez mais. A empresa química alemã Hoechst, por exemplo, estabeleceu-se ou associou-se com 117 fábricas em 45 países, em todos os casos, com exceção de seis, depois de 1950. A novidade estava mais na escala abrangente dessas entidades transnacionais. No início da década de 1980, as empresas transnacionais americanas respondiam por mais de três quartos das exportações e quase metade das importações do país, e tais empresas (britânicas e estrangeiras) eram responsáveis por mais de 80% das exportações da Grã-Bretanha.
Em certo sentido, estes números são irrelevantes, pois a principal função dessas empresas era "internalizar mercados ignorando fronteiras nacionais", isto é, tornar-se independentes do Estado e seu território. Muito do que as estatísticas (ainda basicamente coletadas de país em país) mostram como importações ou exportações é na verdade comércio interno dentro de uma unidade transnacional como a General Motors, que operava em quarenta países. A capacidade de operar desse jeito reforçou naturalmente a tendência à concentração de capital, conhecida desde Karl Marx. Em 1960, já se estimava que as vendas das duzentas maiores empresas do mundo (não socialista) equivaliam a 17% do PNB daquele setor do mundo, e em 1984 dizia-se que equivaliam a 26%. A maioria dessas transnacionais se situava em Estados substancialmente "desenvolvidos". Na verdade, 85% das "duzentas grandes" tinham sede nos EUA, Japão, Grã-Bretanha e Alemanha, com empresas de onze outros países formando o resto. Contudo, mesmo sendo provável que as ligações dessas supergigantes com seus governos de origem fossem estreitas, no fim da Era de Ouro é duvidoso que qualquer uma dessas empresas, com exceção das japonesas e de algumas essencialmente militares, pudesse ser descrita sem hesitação como identificada com os interesses de seu governo ou país. Não era mais tão claro quanto parecia antes que, segundo as palavras de um magnata de Detroit que entrou no governo americano, "o que é bom para a General Motors é bom para os EUA". Como poderia sê-lo, quando suas operações no país de origem eram simplesmente num mercado entre os cem onde, digamos, a Mobil Oil era ativa, ou os 170 onde a Daimler-Benz se achava presente? A lógica comercial obrigaria uma empresa internacional de petróleo a adotar, em relação a seu país de origem, uma estratégia e política exatamente igual à que tinha com a Arábia Saudita ou a Venezuela, ou seja, em termos de lucros e perdas de um lado, e do relativo poder da empresa e do governo de outro.
A tendência de transações e empresas comerciais - e não apenas de algumas dezenas de gigantes - emanciparem do tradicional Estado-nação tornou-se ainda mais acentuada à medida que a produção industrial começava, lentamente a princípio, mas com crescente rapidez, a sair dos países europeus e da América do Norte pioneiros na industrialização e no desenvolvimento capitalista. Esses países continuaram sendo a usina de força do crescimento da Era de Ouro. Em meados da década de 1950, os países industriais tinham vendido cerca de três quintos de suas exportações manufaturadas uns aos outros, no início da de 1970 três quartos. Entretanto, as coisas começaram então a mudar. O mundo desenvolvido passou a exportar um pouco mais de suas manufaturas ao resto do mundo, porém - mais significativamente - o Terceiro Mundo passou a exportar manufaturas para os países industriais desenvolvidos em escala substancial. À medida que as tradicionais exportações primárias de regiões atrasadas perdiam terreno (com exceção, após a revolução da OPEP, dos combustíveis minerais), elas começaram, irregular mas rapidamente, a industrializar-se. Entre 1970 e 1983, a fatia das exportações industriais globais que cabia ao Terceiro Mundo, até então estável em 5%, mais que dobrou.
Uma nova divisão internacional do trabalho, portanto, começou a solapar a antiga. A empresa alemã Volkswagen instalou fábricas na Argentina, Brasil (três), Canadá, Equador, Egito, México, Nigéria, Peru, África do Sul e Iugoslávia - como sempre, sobretudo após meados da década de 1960. Novas indústrias do Terceiro Mundo abasteciam não apenas os crescentes mercados locais, mas também o mercado mundial. Podiam fazer isso tanto exportando artigos inteiramente produzidos pela indústria local (como os têxteis, a maioria dos quais em 1970 tinha emigrado dos velhos países para os "em desenvolvimento"), quanto tornando-se parte de um processo transnacional de manufatura.
Essa foi a inovação decisiva da Era de Ouro, embora só atingisse plenamente a maioridade depois. Isso só poderia ter acontecido graças à revolução no transporte e comunicação, que tornou possível e economicamente factível dividir a produção de um único artigo entre, digamos, Houston, Cingapura e Tailândia, transportando por frete aéreo o produto parcialmente completo entre esses centros e controlando centralmente todo o processo com a moderna tecnologia de informação. Grandes fabricantes de produtos eletrônicos começaram a globalizar-se a partir de meados da década de 1960. A linha de produção cruzava agora não hangares gigantescos num único local, mas o globo. Algumas delas paravam nas extraterritoriais "zonas francas" ou fábricas offshore, que agora começavam a espalhar-se, esmagadoramente pelos países pobres com mão de obra barata, e sobretudo feminina e jovem, outro novo artifício para escapar ao controle de um só Estado. Assim, uma das primeiras, Manaus, no interior da floresta amazônica, fabricava artigos têxteis, brinquedos, produtos de papel, eletrônicos e relógios digitais para empresas americanas, holandesas e japonesas.
Tudo isso produziu uma mudança paradoxal na estrutura política da economia mundial. À medida que o globo se tornava sua unidade real, as economias nacionais dos grandes Estados foram dando lugar a tais centros offshore, a maioria situada nos pequenos ou minúsculos mini-Estados que se haviam convenientemente multiplicado quando os velhos impérios coloniais se despedaçaram. No fim do Breve Século XX, o mundo, segundo o Banco Mundial, possuía 71 economias com populações de menos de 2,5 milhões de habitantes (dezoito delas com populações de menos de 100 mil), ou seja, dois terços de todas as unidades políticas oficialmente tratadas como "economias". Até a Segunda Guerra Mundial, essas unidades eram encaradas como piadas econômicas, e na verdade nem como Estados de fato. Eram e certamente são incapazes de defender sua independência nominal na selva internacional, mas na Era de Ouro se tornou evidente que podiam florescer tanto quanto e às vezes mais que grandes economias nacionais, oferecendo serviços diretamente à economia global. Daí o surgimento de novas cidades-Estado (Hong Kong, Cingapura), uma forma de organização política que florescera pela última vez na Idade Média; pedaços do deserto do Golfo Pérsico foram transformados em grandes participantes no mercado de investimento global (Kuwait), e dos muitos refúgios offshore da legislação de Estado.
Essa situação iria oferecer aos movimentos étnicos nacionalistas de fins do século XX, que se multiplicavam, instrumentos inconvincentes em favor da viabilidade de uma Córsega ou ilhas Canárias independentes. Inconvincentes porque a única independência conseguida por secessão era a separação do Estado-nação a que tais territórios se achavam antes ligados. Economicamente, a separação iria quase com certeza torná-los mais dependentes das entidades transnacionais que cada vez mais determinavam essas questões. O mundo mais conveniente para gigantes multinacionais é aquele povoado por Estados anões, ou sem Estado algum.
Três aspectos dessa transnacionalização foram particularmente óbvios: as empresas transnacionais (muitas vezes conhecidas como "multinacionais"), a nova divisão internacional do trabalho e o aumento de financiamento offshore (externo). Este último foi não só uma das primeiras formas de transnacionalismo a desenvolver-se, mas também uma das que demonstraram mais vividamente a maneira como a economia capitalista escapava do controle nacional, ou de qualquer outro.
O termo offshore entrou no vocabulário público civil a certa altura da década de 1960, para descrever a prática de registrar a sede legal da empresa num território fiscal generoso, em geral minúsculo, que permitia aos empresários evitar os impostos e outras restrições existentes em seu próprio país. Pois todo Estado ou território sério, por mais comprometido que estivesse com a liberdade de obter lucros, havia estabelecido em meados da década de 1960 certos controles e restrições à conduta de negócios legítimos, no interesse de seu povo. Uma combinação convenientemente complexa e engenhosa de buracos legais nas leis empresariais e trabalhistas dos bondosos miniterritórios - por exemplo, Curaçao, Ilhas Virgens e Liechtenstein - podia produzir maravilhas no balanço da empresa. Pois a essência da prática do offshore está em transformar um enorme número de buracos numa estrutura empresarial viável mas não regulamentada. Por motivos óbvios, a prática do offshore prestava-se particularmente a transações financeiras, embora o Panamá e a Libéria há muito subsidiassem seus políticos com a renda do registro de navios mercantes de outros países cujos donos achavam a mão de obra e os regulamentos de segurança patrícios demasiado onerosos.
Em dado momento da década de 1960, um pouco de engenhosidade transformou o velho centro internacional financeiro, a City de Londres, num grande centro offshore global, com a invenção da "euromoeda", ou seja, sobretudo "eurodólares". Os dólares depositados em bancos não americanos e não repatriados, sobretudo para evitar as restrições da legislação bancária americana, tornaram-se um instrumento financeiro negociável. Esses dólares. Esses dólares em livre flutuação, acumulando-se em grandes quantidades graças aos crescentes investimentos americanos no exterior e aos enormes gastos políticos e militares do governo dos EUA, se tornaram a fundação de um mercado global, sobretudo de empréstimos a curto prazo, que escapava a qualquer controle. Seu crescimento foi sensacional. O mercado de euromoeda líquida subiu de cerca de 14 bilhões de dólares em 1964 para aproximadamente 160 bilhões em 1973 e quase 500 bilhões cerca de cinco anos depois, quando esse mercado se tornou o principal mecanismo para reciclar o Klondike de lucros do petróleo que os países da OPEP de repente se viram imaginando como gastar e investir. Os EUA foram o primeiro país a se ver à mercê dessas vastas e multiplicantes enxurradas de capital solto que varriam o globo de moeda em moeda, em busca de lucros rápidos. Todos os governos acabaram sendo vítimas disso, pois perderam o controle das taxas de câmbio e do volume de dinheiro em circulação no mundo. Em princípios da década de 1990, até mesmo a ação conjunta de grandes bancos centrais revelou-se impotente.
Que empresas baseadas num país, mas operando em vários, expandissem suas atividades era bastante natural. Tampouco eram novas essas "multinacionais". As empresas americanas desse tipo aumentaram suas filiais estrangeiras de cerca de 7,5 mil em 1950 para mais de 23 mil em 1966, a maioria na Europa Ocidental e no hemisfério ocidental. Contudo, empresas de outros países as foram seguindo cada vez mais. A empresa química alemã Hoechst, por exemplo, estabeleceu-se ou associou-se com 117 fábricas em 45 países, em todos os casos, com exceção de seis, depois de 1950. A novidade estava mais na escala abrangente dessas entidades transnacionais. No início da década de 1980, as empresas transnacionais americanas respondiam por mais de três quartos das exportações e quase metade das importações do país, e tais empresas (britânicas e estrangeiras) eram responsáveis por mais de 80% das exportações da Grã-Bretanha.
Em certo sentido, estes números são irrelevantes, pois a principal função dessas empresas era "internalizar mercados ignorando fronteiras nacionais", isto é, tornar-se independentes do Estado e seu território. Muito do que as estatísticas (ainda basicamente coletadas de país em país) mostram como importações ou exportações é na verdade comércio interno dentro de uma unidade transnacional como a General Motors, que operava em quarenta países. A capacidade de operar desse jeito reforçou naturalmente a tendência à concentração de capital, conhecida desde Karl Marx. Em 1960, já se estimava que as vendas das duzentas maiores empresas do mundo (não socialista) equivaliam a 17% do PNB daquele setor do mundo, e em 1984 dizia-se que equivaliam a 26%. A maioria dessas transnacionais se situava em Estados substancialmente "desenvolvidos". Na verdade, 85% das "duzentas grandes" tinham sede nos EUA, Japão, Grã-Bretanha e Alemanha, com empresas de onze outros países formando o resto. Contudo, mesmo sendo provável que as ligações dessas supergigantes com seus governos de origem fossem estreitas, no fim da Era de Ouro é duvidoso que qualquer uma dessas empresas, com exceção das japonesas e de algumas essencialmente militares, pudesse ser descrita sem hesitação como identificada com os interesses de seu governo ou país. Não era mais tão claro quanto parecia antes que, segundo as palavras de um magnata de Detroit que entrou no governo americano, "o que é bom para a General Motors é bom para os EUA". Como poderia sê-lo, quando suas operações no país de origem eram simplesmente num mercado entre os cem onde, digamos, a Mobil Oil era ativa, ou os 170 onde a Daimler-Benz se achava presente? A lógica comercial obrigaria uma empresa internacional de petróleo a adotar, em relação a seu país de origem, uma estratégia e política exatamente igual à que tinha com a Arábia Saudita ou a Venezuela, ou seja, em termos de lucros e perdas de um lado, e do relativo poder da empresa e do governo de outro.
A tendência de transações e empresas comerciais - e não apenas de algumas dezenas de gigantes - emanciparem do tradicional Estado-nação tornou-se ainda mais acentuada à medida que a produção industrial começava, lentamente a princípio, mas com crescente rapidez, a sair dos países europeus e da América do Norte pioneiros na industrialização e no desenvolvimento capitalista. Esses países continuaram sendo a usina de força do crescimento da Era de Ouro. Em meados da década de 1950, os países industriais tinham vendido cerca de três quintos de suas exportações manufaturadas uns aos outros, no início da de 1970 três quartos. Entretanto, as coisas começaram então a mudar. O mundo desenvolvido passou a exportar um pouco mais de suas manufaturas ao resto do mundo, porém - mais significativamente - o Terceiro Mundo passou a exportar manufaturas para os países industriais desenvolvidos em escala substancial. À medida que as tradicionais exportações primárias de regiões atrasadas perdiam terreno (com exceção, após a revolução da OPEP, dos combustíveis minerais), elas começaram, irregular mas rapidamente, a industrializar-se. Entre 1970 e 1983, a fatia das exportações industriais globais que cabia ao Terceiro Mundo, até então estável em 5%, mais que dobrou.
Uma nova divisão internacional do trabalho, portanto, começou a solapar a antiga. A empresa alemã Volkswagen instalou fábricas na Argentina, Brasil (três), Canadá, Equador, Egito, México, Nigéria, Peru, África do Sul e Iugoslávia - como sempre, sobretudo após meados da década de 1960. Novas indústrias do Terceiro Mundo abasteciam não apenas os crescentes mercados locais, mas também o mercado mundial. Podiam fazer isso tanto exportando artigos inteiramente produzidos pela indústria local (como os têxteis, a maioria dos quais em 1970 tinha emigrado dos velhos países para os "em desenvolvimento"), quanto tornando-se parte de um processo transnacional de manufatura.
Essa foi a inovação decisiva da Era de Ouro, embora só atingisse plenamente a maioridade depois. Isso só poderia ter acontecido graças à revolução no transporte e comunicação, que tornou possível e economicamente factível dividir a produção de um único artigo entre, digamos, Houston, Cingapura e Tailândia, transportando por frete aéreo o produto parcialmente completo entre esses centros e controlando centralmente todo o processo com a moderna tecnologia de informação. Grandes fabricantes de produtos eletrônicos começaram a globalizar-se a partir de meados da década de 1960. A linha de produção cruzava agora não hangares gigantescos num único local, mas o globo. Algumas delas paravam nas extraterritoriais "zonas francas" ou fábricas offshore, que agora começavam a espalhar-se, esmagadoramente pelos países pobres com mão de obra barata, e sobretudo feminina e jovem, outro novo artifício para escapar ao controle de um só Estado. Assim, uma das primeiras, Manaus, no interior da floresta amazônica, fabricava artigos têxteis, brinquedos, produtos de papel, eletrônicos e relógios digitais para empresas americanas, holandesas e japonesas.
Tudo isso produziu uma mudança paradoxal na estrutura política da economia mundial. À medida que o globo se tornava sua unidade real, as economias nacionais dos grandes Estados foram dando lugar a tais centros offshore, a maioria situada nos pequenos ou minúsculos mini-Estados que se haviam convenientemente multiplicado quando os velhos impérios coloniais se despedaçaram. No fim do Breve Século XX, o mundo, segundo o Banco Mundial, possuía 71 economias com populações de menos de 2,5 milhões de habitantes (dezoito delas com populações de menos de 100 mil), ou seja, dois terços de todas as unidades políticas oficialmente tratadas como "economias". Até a Segunda Guerra Mundial, essas unidades eram encaradas como piadas econômicas, e na verdade nem como Estados de fato. Eram e certamente são incapazes de defender sua independência nominal na selva internacional, mas na Era de Ouro se tornou evidente que podiam florescer tanto quanto e às vezes mais que grandes economias nacionais, oferecendo serviços diretamente à economia global. Daí o surgimento de novas cidades-Estado (Hong Kong, Cingapura), uma forma de organização política que florescera pela última vez na Idade Média; pedaços do deserto do Golfo Pérsico foram transformados em grandes participantes no mercado de investimento global (Kuwait), e dos muitos refúgios offshore da legislação de Estado.
Essa situação iria oferecer aos movimentos étnicos nacionalistas de fins do século XX, que se multiplicavam, instrumentos inconvincentes em favor da viabilidade de uma Córsega ou ilhas Canárias independentes. Inconvincentes porque a única independência conseguida por secessão era a separação do Estado-nação a que tais territórios se achavam antes ligados. Economicamente, a separação iria quase com certeza torná-los mais dependentes das entidades transnacionais que cada vez mais determinavam essas questões. O mundo mais conveniente para gigantes multinacionais é aquele povoado por Estados anões, ou sem Estado algum.
Eric Hobsbawm
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