30 de julho de 2017

Rádio


O rádio baseava-se sobretudo na propriedade privada do que ainda era um maquinário sofisticado, e assim se restringia, em essência, aos países "desenvolvidos" relativamente prósperos. Na Itália, o número de aparelhos de rádio não ultrapassou o de automóveis até 1931. As grandes concentrações de aparelhos de rádio se encontravam, na véspera da Segunda Guerra Mundial, nos EUA, Escandinávia, Nova Zelândia e Grã-Bretanha. Contudo, nesses países ele avançou em ritmo espetacular, e mesmo os pobres podiam comprá-lo. Dos 9 milhões de aparelhos da Grã-Bretanha em 1939, metade foi comprada por pessoas que ganhavam entre 2,5 e quatro libras por semana - uma renda modesta - e outros 2 milhões por pessoas ganhando menos que isso. Talvez não surpreenda o fato de que a audiência de rádio duplicou nos anos da Grande Depressão, quando sua taxa de crescimento foi mais rápida do que antes ou depois. Pois o rádio transformava a vida dos pobres, e sobretudo das mulheres pobres presas ao lar, como nada fizera antes. Trazia o mundo à sua sala. Daí em diante, os mais solitários não precisavam mais ficar inteiramente sós. E toda a gama do que podia ser dito, cantado, tocado ou de outro modo expresso em som estava agora ao alcance deles. Surpreende, portanto, que um veículo desconhecido, quando a Primeira Guerra Mundial acabou, houvesse conquistado 10 milhões de lares nos EUA no ano da quebra da Bolsa, mais de 27 milhões em 1939 e mais de 40 milhões em 1950?
Ao contrário do cinema, ou mesmo da nova imprensa de massa, o rádio não transformou de nenhum modo profundo a maneira humana de perceber a realidade. Não criou novos meios de ver ou estabelecer relações entre as impressões dos sentidos e as ideias. Era simplesmente um veículo, não uma mensagem. Mas sua capacidade de falar simultaneamente a incontáveis milhões, cada um deles sentindo-se abordado como indivíduo, transformava-o numa ferramenta inconcebivelmente  poderosa de informação de massa, como governantes e vendedores logo perceberam, para propaganda política e publicidade. No início da década de 1930, o presidente dos EUA já descobrira o potencial da "conversa ao pé da lareira" pelo rádio, e o rei da Grã-Bretanha o das transmissões de Natal da família real (1932 e 1933, respectivamente). Na Segunda Guerra Mundial, com sua interminável demanda de notícias, o rádio alcançou a maioridade como instrumento político e meio de informação. O número de aparelhos de rádio na Europa Continental aumentou substancialmente em todos os países, a não ser nos muito arrasados por batalhas. Em vários casos, seu número duplicou ou mais que duplicou. Na maioria dos países não europeus, sua ascensão foi ainda mais acentuada. Seu uso pelo comércio, embora desde o começo dominasse dominasse as ondas aéreas dos EUA, teve uma conquista mais difícil em outras partes, uma vez que, por tradição, os governos relutavam em abrir mão do controle sobre um meio tão poderoso de influenciar cidadãos. A BBC manteve seu monopólio público. Onde a transmissão comercial foi tolerada, esperava-se ainda assim que acatasse a voz oficial.
É difícil reconhecer as inovações da cultura do rádio, pois muito daquilo que ele iniciou tornou-se parte da vida diária - o comentário esportivo, o noticiário, o programa de entrevistas com celebridades, a novela, e também todos os tipos de seriado. A mais profunda mudança que ele trouxe foi simultaneamente privatizar e estruturar a vida de acordo com um horário rigoroso, que daí em diante governou não apenas a esfera do trabalho, mas a do lazer. Contudo, curiosamente, esse veículo - e, até o surgimento do vídeo e do videocassete, sua sucessora, a televisão - embora essencialmente centrado no indivíduo e na família, criou sua própria esfera pública. Pela primeira vez na história pessoas desconhecidas que se encontravam provavelmente sabiam o que cada uma tinha ouvido (ou, mais tarde, visto) na noite anterior: o grande jogo, o programa humorístico favorito, o discurso de Wiston Churchill, o conteúdo do noticiário.
A arte mais significativamente afetada pelo rádio foi a música, pois ele abolia as limitações acústicas ou mecânicas do alcance dos sons. A música, a última das artes a romper a velha prisão corporal que limita a comunicação oral, já tinha entrado na era da reprodução mecânica antes de 1914, com o gramofone, embora este ainda não estivesse ao alcance das massas. Os anos do entreguerras sem dúvida puseram gramofones e discos ao alcance das massas, embora o virtual colapso do mercado de "discos raciais", isto é, música típica dos pobres, durante a Depressão americana, demonstrasse a fragilidade dessa expansão. Contudo, o disco, embora sua qualidade técnica melhorasse depois de cerca de 1930, tinha seus limites, entre outros de duração. Além disso, seu alcance dependia das vendas. O rádio, pela primeira vez, permitiu que música fosse ouvida a distância por mais de cinco minutos ininterruptos, e por um número teoricamente ilimitado de ouvintes. Tornou-se assim um popularizador único da música de minorias (incluindo a clássica e, de longe, o mais poderoso meio de venda de discos, como de fato continua sendo). O rádio não mudou a música - certamente afetou-a menos que o teatro ou o cinema, que também aprendeu a reproduzir sons - mas o papel da música na vida contemporânea, não excluindo o de pano de fundo para vida cotidiana, é inconcebível sem ele.

Eric Hobsbawm

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