Mesmo uma leitura desatenta das pioneiras americanas do novo feminismo na década de 1960 sugere uma distinta perspectiva de classe nos problemas femininos. Elas se preocupavam maciçamente com a questão de como a mulher pode combinar carreira ou emprego com casamento e família, um problema fundamental apenas para as que tinham essa opção, inexistente então para a maioria das mulheres do mundo e para todas as pobres. Estavam, com toda a razão, preocupadas com igualdade entre homens e mulheres, um conceito que se tornou o principal instrumento para o avanço legal e institucional das mulheres ocidentais, pois a palavra "sexo" foi inserida na Lei dos Direitos Civis americana de 1964, originalmente destinada a proibir apenas a discriminação racial. Mas "igualdade", ou melhor, "igual tratamento" e "igual oportunidade", supõe que não há diferenças significativas entre homens e mulheres, sociais ou outras, e para a maioria das mulheres do mundo, sobretudo as pobres, parecia óbvio que parte de sua inferioridade social se devia à diferença, enquanto sexo, dos homens, e podia portanto exigir remédios específicos de sexo - por exemplo, provimentos para gravidez e maternidade, ou proteção especial contra ataques pelo sexo fisicamente mais forte e mais agressivo. O feminismo americano demorou a abordar interesses vitais da operária, como a licença-maternidade. Uma fase posterior do feminismo na verdade insistiu em diferença de gênero, além de desigualdade de gênero, embora o uso de uma ideologia liberal de individualismo abstrato e o instrumento da lei de "direitos iguais" não fossem de fato compatíveis com o reconhecimento de que as mulheres não eram, e não deviam necessariamente ser, iguais aos homens, e vice-versa. (Assim, a "ação afirmativa", ou seja, dar a um grupo tratamento preferencial no acesso a um recurso ou atividade social, somente se coaduna à noção de igualdade caso se suponha que se trata de uma medida temporária, a ser abandonada aos poucos, quando se houver atingido o acesso igual pelos próprios méritos; isto é, caso se suponha que o tratamento preferencial é apenas a eliminação de uma desvantagem injusta entre os participantes de uma mesma corrida. Este é obviamente o caso às vezes. Mas quando se trata de diferenças permanentes, é descabido.)
Além disso, nas décadas de 1950 e 1960 a própria demanda para romper a esfera doméstica e entrar no mercado de trabalho tinha entre as mulheres casadas prósperas e educadas da classe média uma forte carga ideológica que não tinha para outras, pois suas motivações nesses ambientes raramente eram econômicas. Entre as pobres, ou as de orçamento apertado, as mulheres casadas saíram para trabalhar após 1945 porque, para pôr as coisas em termos simples, os filhos não mais o faziam. O trabalho infantil no Ocidente quase desaparecera, enquanto, ao contrário, a necessidade de dar aos filhos uma educação que melhorasse suas perspectivas colocava sobre os pais um grande fardo financeiro por mais tempo que antes. Em suma, no passado os filhos trabalhavam para que as mães pudessem ficar em casa cumprindo responsabilidades domésticas e reprodutivas. Agora, quando as famílias precisavam de renda extra, as mães trabalhavam no lugar dos filhos. Isso dificilmente teria sido possível sem a diminuição do número de filhos, embora a substancial mecanização das tarefas domésticas (notadamente através de máquinas de lavar) e o aumento de alimentos preparados e de pronto cozimento facilitassem as coisas. Mas para as mulheres casadas da classe média cujos maridos ganhavam uma renda adequada ao seu status, trabalhar fora raramente trazia um acréscimo aos rendimentos da família, quando nada porque se pagava muito menos às mulheres que aos homens nos empregos então à disposição delas. Não podia haver uma contribuição líquida significativa à família quando a ajuda paga para cuidar da casa e das crianças tinha de ser contratada (na forma de faxineiras e, na Europa, de moças au pair) para permitir à mulher ganhar uma renda externa.
Se havia um incentivo para as mulheres casadas saírem de casa nesses círculos, era a demanda de liberdade e autonomia; a mulher casada ser uma pessoa por si, e não um apêndice do marido e da casa, alguém visto pelo mundo como indivíduo, e não como membro de uma espécie ("apenas esposa e mãe"). A renda entrava nisso não porque fosse necessária, mas porque era algo que a mulher podia gastar ou poupar sem pedir primeiro ao marido. Claro, à medida que casas de classe média com duas rendas se tornavam mais comuns, os orçamentos domésticos foram sendo cada vez mais calculados em termos de duas rendas. Na verdade, à medida que a educação superior para os filhos da classe média se tornava quase universal, e os pais tinham de dar contribuições financeiras a seus rebentos até quando eles já beiravam os vinte anos ou até mais, o trabalho pago para as mulheres casadas da classe média deixou de ser basicamente uma declaração de independência e tornou-se o que há muito era para as pobres, uma maneira de equilibrar o orçamento.
Eric Hobsbawm
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