24 de outubro de 2016

Rumo ao ouro de Cuiabá


Os territórios além do rio Paraná eram conhecidos dos paulistas pelo menos desde a década de 1630, quando atacaram as chamadas missões do Itatim. Por ali também passaram diversos sertanistas, inclusive Antônio Raposo Tavares, em expedições que avançaram por terras hoje pertencentes à Bolívia.
Tudo indica que o primeiro paulista a alcançar o rio Cuiabá teria sido Antônio Pires de Campos, mas seria somente Pascoal Moreira Cabral, em 1718, quem encontraria nas barrancas do rio Coxipó Mirim os primeiros indícios de existência de ouro. A instalação dos primeiros mineradores nessa paragem teria permitido a descoberta, em 1722, das lavras do Sutil, nomeadas segundo o nome de seu descobridor, Miguel Sutil, e depois conhecidas como minas do Cuiabá.
O ouro encontrado era bastante superficial, e consta que sutil conseguiu meia arroba em apenas um dia. A fama da localidade rapidamente se alastrou, e em muito pouco tempo levas de colonos vieram de São Paulo para se aventurar por essas paragens ermas, tentando passar pelo longo e difícil caminho fluvial que só então começava a ser mais bem conhecido. Tal como ocorrera em Minas Gerais, os momentos iniciais da mineração em Cuiabá foram marcados pela carestia de alimentos, a qual levou também à prática de preços exorbitantes para o mais simples gênero destinado a aplacar a fome.
O capitão-general e governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, assumiu seu cargo em 1721, e tratou de imediatamente organizar essas novas minas, sob ordens expressas de Lisboa, pois já apresentavam rixas perigosas entre facções de paulistas. Muito se escreveu sobre os irmãos Leme, que foram combatidos e eliminados pelo governador, em seu esforço de impor o controle da Coroa sobre aquelas paragens tão distantes.
Rodrigo César acaba optando por ir pessoalmente às novas lavras, na monção de 1726. Essa célebre expedição reuniu três mil pessoas em trezentas canoas e exigiu um enorme aprovisionamento de equipamentos e gêneros diversos, comprovando a grande capacidade mercantil da lavoura paulista. Após cerca de quatro meses de viagem, chega ao arraial de Cuiabá, que erige em vila, instalando Câmara e pelourinho. Graças à garimpagem fácil, muito na superfície, o crescimento populacional foi intenso logo nos primeiros anos e já contavam-se sete mil almas em 1726, das quais cerca de 2600 seriam de negros escravos.
Diferentemente das rotas até Minas Gerais, a viagem para Cuiabá era quase que inteiramente fluvial. Seguia-se pelo rio Tietê a partir do porto de Araritaguaba, a atual Porto Feliz. O percurso era demorado e difícil, devido às diversas cachoeiras, e muitas tinham de ser transpostas com as canoas aliviadas de sua carga, ou até mesmo por terra. Eram precisos pelo menos 25 dias para alcançar o rio Paraná. Este, por sua vez, era descido em cerca de seis dias, sem ocorrência de obstáculos, mas era conhecido por suas ondas perigosas, que obrigavam as canoas a navegarem muito próximas às margens. Virava-se a seguir à direita, tomando o rio Pardo contra a correnteza, em um difícil trecho de sessenta léguas e nada menos que 32 cachoeiras, que podiam demandar dois penosos meses de viagem. Daí entrava-se pelo pequeno Sanguessuga, indo dar no varadouro de Camapuã, local onde se fundou, em 1728, uma fazenda, que daria apoio à travessia terrestre, oferecendo reabastecimento e transporte da mercadoria e embarcações até o rio Camapuã, de onde partiam para o rio Coxim, para a seguir dobrar para o rio Taquari, sempre encontrando cachoeiras pelo caminho. Do Taquari alcançava-se o Paraguai, seguindo pelo seu afluente, o São Lourenço, e deste finalmente subia-se o Cuiabá, destino final.
Este longo e complicado trajeto, tortuoso em seu percurso por rios e tantos obstáculos interpostos pela natureza, jamais teve a concorrência de qualquer caminho terrestre. A presença dos índios guaicurus, o famoso povo cavaleiro que dominava as terras ao longo do rio Pardo e era bastante temido dos viajantes, desencorajava qualquer ideia de varar longas distâncias fora das águas. Mas também havia os ainda mais temidos paiaguás, que atacavam com canoas e por diversas vezes efetuaram grandes massacres. São célebres alguns de seus assaltos, como aquele em que pela primeira vez se manifestaram, em 1725, promovido contra a expedição comandada por Diogo de Sousa: “Tão inesperado e violento foi o assalto que, de um total de 600 pessoas, distribuídas pelas 20 canoas da conserva, só duas se salvaram, um branco e um negro”.
Foi também famoso o infortúnio da monção em que voltava para São Paulo, em 1730, o ouvidor Antônio Alves Lanhas Peixoto, na qual quase todos morreram, inclusive o próprio ouvidor, além de se perderem “60 arrobas de ouro, que se iam pagar os quintos na Casa de Fundição”. Os ataques tornaram-se constantes e as tentativas de eliminá-los em geral fracassaram; somente na segunda metade do século XVIII eles deixaram de oferecer perigo devido aos conflitos com os guaicurus, seus antigos aliados contra os brancos.
Além dos ataques de índios, a própria dificuldade do percurso cobrava seu preço em vidas e em mercadorias extraviadas, como relata o capitão-general Rodrigo César de Meneses, após sua viagem de ida, longa de quatro meses:

“havendo muitos falecido afogados e perdidas várias canoas por causa das muitas cachoeiras, que têm em si todos os rios, e pela furiosa correnteza deles, houve bastantes perdas também de fazendas, que geralmente chegou a todos e eu perdi, sem se poderem salvar nem os remos, uma carregada de víveres desse Reino para poder sustentar-me enquanto aqui assistisse, e parte de minha copa e roupas.”

Maria Beatriz Nizza da Silva

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