29 de outubro de 2016

Que sujeito formidável eu sou!


Aconteceu, numa certa época, que um monstro gigantesco engoliu toda a água da terra, de modo que houve uma terrível seca e o mundo se viu em péssimas condições. Indra, o rei dos deuses, levou algum tempo até se dar conta de que possuía uma caixa repleta de raios e tudo o que tinha a fazer era lançar um deles sobre o monstro, fazendo-o explodir. Quando ele fez isso, as águas jorraram e o mundo se refrescou. E Indra disse: "Que sujeito formidável eu sou!"
Assim, pensando no sujeito formidável que era, Indra se dirige à montanha cósmica, que é a montanha do centro do mundo, e decide construir um palácio à altura do seu valor. O melhor carpinteiro dos deuses põe-se a trabalhar e rapidamente o palácio está erguido e em excelentes condições. Mas cada vez que vai inspecioná-lo, Indra tem ideias mais ambiciosas a respeito de quão esplêndido e grandioso o palácio deveria ser. Por fim o carpinteiro exclama: "Ora, ambos somos imortais, e não há limites para os desejos dele. Estou preso por toda a eternidade". Então decide dirigir-se a Brahma, o deus criador, para reclamar.
Brahma está sentado num lótus, o símbolo da divina energia e da divina graça. O lótus cresce do umbigo de Vishnu, o deus adormecido, cujo sonho é o universo. Assim, o carpinteiro se aproxima da borda da grande lagoa de lótus do universo e conta sua história a Brahma. Brahma diz: "Pode ir para casa. Eu vou dar um jeito nisso." Brahma deixa seu lótus e se ajoelha para se dirigir ao adormecido Vishnu. Vishnu apenas esboça um gesto e diz qualquer coisa ininteligível.
Na manhã seguinte, no portal do palácio que estava sendo construído, aparece um belo garoto com um bando de crianças ao seu redor, admirando o esplendor da construção. O porteiro, que estava na entrada do novo palácio, corre até Indra e este diz: "Bem, mande entrar o garoto". O garoto é levado até Indra, e o deus-rei, sentado em seu trono, diz: "Seja bem-vindo, jovem. O que o traz ao meu palácio?"
"Bem", diz o garoto com uma voz que soa como um trovão rolando no horizonte, "ouvi dizer que você está construindo um palácio como nenhum Indra antes de você jamais construiu".
E Indra diz: "Indras antes de mim... de que você está falando?"
O garoto diz: "Indras antes de você. Eu os tenho visto vir e desaparecer. Pense nisso, Vishnu dorme no oceano cósmico, e o lótus do universo cresce do seu umbigo. No lótus se assenta Brahma, o criador. Brahma abre os olhos e um mundo se cria, governado por um Indra. Brahma fecha os olhos e um mundo desaparece. A vida de um Brahma conta quatrocentos e trinta e dois mil anos. Quando ele morre, o lótus se desfaz e outro lótus se forma, e outro Brahma. Agora pense nas estrelas além das estrelas, no espaço infinito, cada qual com um lótus, com um Brahma sentado nele, abrindo os olhos, fechando os olhos. E Indras? Deve haver homens avisados em sua corte, que se prestariam a contar as gotas de água dos oceanos ou os grãos de areia nas praias, mas nenhum contaria aqueles Brahmas, muito menos aqueles Indras".
Enquanto o garoto fala, um exército de formigas desfila pelo chão. O garoto ri, ao vê-las; os cabelos de Indra ficam arrepiados, e ele pergunta ao garoto: "Por que você ri?"
O garoto responde: "Não pergunte, a menos que você queira ficar magoado".
Indra diz: "Eu pergunto. Ensine-me". (Esta, aliás, é uma bela ideia oriental: não ensine, até ser instado a isso. Você não deve impor seu conhecimento goela abaixo das pessoas.)
Então o garoto aponta para as formigas e diz: "Todas antigos Indras. Através de muitas vidas, eles se elevam das mais baixas condições à mais alta iluminação. Aí eles lançam um raio sobre um monstro e pensam: 'Que sujeito formidável eu sou!' E voltam a despencar.

Joseph Campbell

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