29 de outubro de 2016

Ioga


Ioga é a suspensão (intencional) da atividade espontânea da substância mental.
A teoria psicológica arcaica envolvida nessa definição sustenta que na matéria bruta do cérebro e do corpo há uma substância sutil extremamente volátil, continuamente ativa, que assume as formas de tudo o que é apresentado pelos sentidos e que, em virtude das transformações dessa matéria sutil, nos tornamos conscientes das formas, sons, gostos, odores e toques do mundo exterior. Além do mais, a mente está num contínuo fluir de transformações – e com tal força que se alguém sem treinamento em ioga tentasse fixá-la em uma única imagem ou ideia por, digamos, um minuto, a veria quase de imediato afastar-se dessa imagem ou ideia em fluxos de pensamentos ou sentimentos correlatos ou mesmo remotos. O primeiro objetivo da ioga é, por isso, alcançar o controle desse fluxo espontâneo, diminui-lo e interrompê-lo.
A analogia é dada pela superfície de um pequeno lago soprada pelo vento. As imagens refletidas em tal superfície são entrecortadas, fragmentárias e continuamente oscilantes. Mas se o vento parasse de soprar e a superfície ficasse imóvel - nirvana: “além ou fora (nir-) do vento (vana)” – poderíamos ver não imagens entrecortadas, mas o reflexo perfeito de todo o céu, das árvores em volta e, nas profundezas calmas do próprio lago, seu belo fundo arenoso e os peixes. Poderíamos então ver que todas as imagens entrecortadas, que antes percebíamos fugazmente, eram na verdade apenas fragmentos dessas formas fixas reais, agora vistas de modo nítido e estável. E poderíamos ter à nossa disposição, em consequência, tanto a possibilidade de imobilizar a superfície do lago para apreciar a forma fundamental, quanto a de deixar o vento soprar e a água encrespar-se, pelo simples prazer do jogo (lila) das transformações. Já não se tem medo quando uma vem e a outra vai; nem mesmo quando a forma que parece ser o Si-Próprio desaparece. Pois Aquele que é tudo permanece para sempre: transcendente – além de tudo; porém também imanente – presente em tudo. Ou, como diz um texto chinês mais ou menos contemporâneo do Yoga Sutra:

Os Verdadeiros Homens dos tempos antigos não sabiam nada a respeito do amor à vida nem do ódio à morte. A entrada na vida não lhes causava nenhuma alegria; o sair dela não despertava nenhuma resistência. Serenamente eles iam e vinham. Não esqueciam qual havia sido sua origem e não inquiriam sobre seu fim. Eles aceitavam a vida e a desfrutavam; passavam por cima do medo da morte e retornavam a seu estado anterior à vida. Dessa maneira, havia neles o que se chama ausência de toda intenção de resistir ao Tao e ausência também de qualquer esforço através do Humano para estar entre os Celestiais. Assim eram aqueles que são chamados Verdadeiros Homens. Suas mentes estavam livres de todo pensamento; sua conduta era tranquila e estável; suas testas irradiavam simplicidade. Qualquer frieza provinda deles era como a do outono; qualquer calor provindo deles era como o da primavera. Sua alegria e raiva assemelhavam-se ao que vemos nas quatro estações. Eles agiam em relação a todas as coisas de maneira apropriada e ninguém podia conhecer o alcance dos seus atos.

Enquanto o ponto de vista e a meta habituais e típicos do indiano sempre foram os do iogue esforçando-se por ter uma experiência como a da água parada, o chinês e o japonês, em contrapartida, tenderam a balançar com o movimento das ondas. Comparadas com qualquer dos sistemas teológicos ou científicos do Ocidente, as duas visões são nitidamente da mesma espécie; entretanto, comparando uma com a outra em seus próprios termos, revelam-se diametralmente opostas: o indiano, rompendo a casca do ser, vive em êxtase no vazio da eternidade, que está a um só tempo fora e dentro, ao passo que o chinês ou japonês, satisfeito com o fato de a Grande Vacuidade ser o Motor de todas as coisas, aceita que as coisas se movam e, sem temer e sem desejar, permitindo que sua própria vida se movimente com elas, participa, no ritmo do Tao.

Magnífico, ele prossegue.
Prosseguindo, torna-se remoto.
Tendo-se tornado remoto, retorna.
Por isso, o Tao é magnífico; o Céu é magnífico.
A Terra é magnífica, e o Rei sábio é também magnífico.
A lei dos homens provém da Terra; a da Terra, do Céu;
A do Céu, do Tao.
E a lei do Tao é ela ser o que é.


Em vez de imobilizar tudo, o sábio do Extremo Oriente permite que as coisas se movam nos vários modos de seu surgimento espontâneo, acompanhando-as como se fosse uma espécie de dança, “agindo sem agir”. O indiano, por outro lado, tende a celebrar a catalepsia do vazio:

Para mim, habitando em minha própria glória:
Onde está o passado, onde o futuro?
Onde o presente?
Onde o espaço?
Ou onde está até mesmo a eternidade?

Em termos gerais, as duas visões foram, respectivamente: “Tudo é ilusão, deixe passar” e “Tudo está em ordem: deixe acontecer”; na Índia, Iluminação (samádi) com os olhos fechados; no Japão, Iluminação (satori) com os olhos abertos. A palavra moksa, “libertação”, tem sido aplicada a ambos os termos, mas eles não são a mesma coisa.
 
Joseph Campbell

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