Que nossas ações, pensamentos, sentimentos, e mesmo movimentos, nos cheguem à consciência - pelo menos uma parte deles -, é a consequência de um terrível, de um longo "é preciso", reinando sobre o homem: ele precisava, como o animal mais ameaçado, de auxílio, de proteção, ele precisava de seu semelhante, ele tinha de exprimir sua indigência, de saber tornar-se inteligível - e, para tudo isso, ele necessitava, em primeiro lugar, de "consciência", portanto, de "saber" ele mesmo o que lhe falta, de "saber" como se sente, de "saber" o que pensa. Pois, para dizê-lo mais uma vez: o homem, como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não sabe disso; o pensamento que se torna consciente é apenas a mínima parte dele, e nós dizemos: a parte mais superficial, a parte pior: - pois somente esse pensamento consciente ocorre em palavras, isto é, em signos de comunicação; com o que se revela a origem da própria consciência. Dito concisamente, o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento da consciência (não da razão, mas somente do tomar-consciência-de-si da razão) vão de mãos dadas. Acrescente-se que não é somente a linguagem que serve de ponte entre homem e homem, mas também o olhar, o toque, o gesto; o tomar-consciência de nossas impressões dos sentidos em nós mesmos, a força de poder fixá-las e como que colocá-las fora de nós, aumentaram na mesma medida em que cresceu a urgência de transmiti-las a outros por signos. O homem inventor de signos é ao mesmo tempo o homem cada vez mais agudamente consciente de si mesmo; somente como animal social o homem aprendeu a tomar consciência de si mesmo - ele o faz ainda, ele o faz cada vez mais. - Meu pensamento é, como se vê: que a consciência não faz parte propriamente da existência individual do homem, mas antes daquilo que nele é da natureza de comunidade e de rebanho; que também, como se segue disso, somente em referência à utilidade de comunidade e rebanho ela se desenvolveu e refinou e que, consequentemente, cada um de nós, com a melhor vontade de entender a si mesmo tão individualmente quanto possível, de "conhecer a si mesmo", sempre trará a consciência, precisamente, apenas o não-individual em si, seu "corte transversal" - que nosso pensamento mesmo, pelo caráter da consciência - pelo "gênio da espécie" que nele comanda -, é constantemente como que majorizado e retraduzido para a perspectiva do rebanho. Nossas ações são, no fundo, todas elas, pessoais de uma maneira incomparável, únicas, ilimitadamente individuais, sem dúvida nenhuma; mas, tão logo nós as traduzimos na consciência, elas não parecem mais sê-lo... Isto é propriamente o fenomenalismo e perspectivismo, assim como eu o entendo: a natureza da consciência animal acarreta que o mundo, de que podemos tomar consciência, é apenas um mundo de superfícies e de signos, um mundo generalizado, vulgarizado - que tudo que se torna consciente justamente com isso se torna raso, ralo, relativamente estúpido, geral, signo, marca de rebanho, que, com todo tornar-consciente, está associada a uma grande e radical corrupção, falsificação, superficialização e generalização. Por último, a consciência que cresce é um perigo; e quem vive entre os mais conscientes dos europeus sabe até mesmo que ela é uma doença. Não é, como se adivinha, a oposição de sujeito e objeto que me importa aqui: deixo essa distinção aos teóricos do conhecimento, que ficarão presos nas malhas da gramática (a metafísica do povo). E nem é bem a oposição entre "coisa em si" e fenômeno: pois estamos longe de "conhecer" o bastante para sequer podermos separar assim. Não temos, justamente, nenhum órgão para o conhecer, para a "verdade"; "sabemos" (ou acreditamos ou imaginamos) precisamente o tanto que, no interesse do rebanho humano, da espécie, pode ser útil: e até mesmo o que aqui é denominado "utilidade" é, por último, simplesmente uma crença, uma imaginação.
Friedrich Nietzsche
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