Na infância, as primeiras perguntas a respeito das origens das coisas revelam o pressuposto espontâneo de que alguém as fez. "Quem fez o sol?", pergunta a criança de dois anos e meio. "Quem coloca as estrelas no céu à noite?", pergunta a outra de três anos e meio. Nessas primeiras reflexões, o primeiro ponto focalizado é o problema da origem da própria criança, o segundo, o da origem da humanidade e, finalmente, o da origem das coisas; mas o alcance da busca coloca mesmo os pais instruídos diante de algo que ultrapassa suas capacidades no nível de desafio científico e metafísico. Um menininho, por exemplo, expôs seu pai acadêmico às seguintes questões:
Aos dois anos e três meses: "De onde vêm os ovos?" E diante da resposta: "Então, o que é que as mamães botam?"
Aos dois anos e meio: "Papai, havia pessoas antes de nós?" Sim. "Como elas chegaram aqui?" Elas nasceram, como nós. "A terra já existia antes de haver pessoas nela?" Sim. "Como ela veio parar aqui se não havia ninguém para fazê-la?"
Aos três anos e sete meses: "Quem fez a terra?"
E aos quatro anos e cinco meses: "Houve uma mãe antes da primeira mãe?"
Aos quatro anos e nove meses: "Como o primeiro homem chegou aqui sem ter uma mãe?"
E só então, mas logo depois: "Como foi feita a água?", "Do que são feitas as pedras?"
A primeira ideia com que a maioria das crianças pequenas se entretém parece ser a de que os bebês não nascem nem são feitos, mas achados. "Mamãe, onde você me achou?", perguntou uma criaturinha de três anos e meio. "Mamãe, de onde eu vim?", perguntou outra de três anos e oito meses. "Onde está agora o bebê que uma mulher vai ter no próximo verão?", perguntou um geniozinho de quatro anos e dez meses e, diante da resposta: "Ela o comeu, então?" Outro: "As pessoas voltam a ser bebês quando ficam muito velhas?" Ou então, aos cinco anos e quatro meses: "Quando a gente morre, a gente volta a crescer?"
Como observa o Prof. Piaget, no primeiro estágio de teorização as crianças supõem-se preexistentes; entretanto, suspeitam que os pais devem ter algo a ver com o mistério. O leitor terá notado que as várias interpretações neste nível aproximam-se muito de certas ideias primitivas e arcaicas bem conhecidas; por exemplo, a da concepção através do ato de comer, encontrada em mitos e contos populares de todo o mundo; ou a ideia do renascimento, que talvez já tenha sido sugerida mesmo nos sepultamentos do Homem de Neandertal, há cerca de 100000 anos a.C.
O segundo tipo de questionamento infantil a respeito do nascimento envolve o problema não apenas de onde, mas também do como. Nesta altura, o interesse da criança pelos seus próprios atos de criação, líquidos e sólidos, tem sugerido pelo menos duas possibilidades, que ela nem sempre está disposta a formular, embora possa estar testando ocultamente através de perguntas. As perguntas mencionadas com relação à origem da água e das pedras são exemplos manifestos. Elas supõem algum tipo de "fabricação" misteriosa por parte dos pais, seja fora ou dentro de seus corpos, e tais processos vagamente concebidos são tomados como modelos possíveis também para a criação de outras coisas do mundo. A criança começa a supor que os adultos são os fazedores de todas as coisas; supõe que os pais sejam oniscientes e onipotentes, até que os fatos tornam evidente que não são nem uma coisa nem outra. Depois disso, a imagem tão querida da figura parental que tudo sabe, tudo pode e cria as coisas - seja de modo manual ou de outra forma - é simplesmente transferida para a difusa imagem de um Deus antropomórfico, embora invisível, imagem proveniente da instrução parental ou de outrem.
A figura de um ser criador é praticamente, senão absolutamente, universal nas mitologias do mundo e, assim como a imagem parental é associada na infância, não apenas com o poder de fazer todas as coisas, mas também com a autoridade para comandar, também na concepção religiosa o criador do universo é comumente o provedor e controlador de suas leis. As duas ordens - a infantil e a religiosa - são, no mínimo, análogas e a segunda pode muito bem ser uma simples tradução da primeira para uma esfera fora do âmbito da observação crítica. Piaget assinalou que, embora os pequenos mitos da gênese inventados pelas crianças para explicar sua própria origem e a das coisas possam diferir, a suposição básica subjacente é a mesma, ou seja, que as coisas precisam ser criadas por alguém e que elas são vivas e reagem às ordens de seus criadores. Os mitos da origem dos sistemas mitológicos do mundo diferem também; mas em todos, com exceção dos mais rarefeitos, mantém-se a convicção (como na infância), sem comprovação, de que o universo vivo seja obra ou emanação - psíquica ou física - de algum Deus pai-mãe ou mãe-pai.
Pode-se dizer, então, que o sentido deste mundo como um fluxo indiferenciado de experiência simultaneamente subjetiva e objetiva (participação), pleno de vida (animismo) e elaborado por algum ser superior (artificialismo), constitui a estrutura de referência - axiomática e pressuposta de modo espontâneo - de toda experiência infantil, não importando quais possam ser os detalhes locais dessa experiência. E esses três princípios são, exatamente, aqueles em geral mais representados nos sistemas mitológicos e religiosos de todo o mundo.
Aos dois anos e três meses: "De onde vêm os ovos?" E diante da resposta: "Então, o que é que as mamães botam?"
Aos dois anos e meio: "Papai, havia pessoas antes de nós?" Sim. "Como elas chegaram aqui?" Elas nasceram, como nós. "A terra já existia antes de haver pessoas nela?" Sim. "Como ela veio parar aqui se não havia ninguém para fazê-la?"
Aos três anos e sete meses: "Quem fez a terra?"
E aos quatro anos e cinco meses: "Houve uma mãe antes da primeira mãe?"
Aos quatro anos e nove meses: "Como o primeiro homem chegou aqui sem ter uma mãe?"
E só então, mas logo depois: "Como foi feita a água?", "Do que são feitas as pedras?"
A primeira ideia com que a maioria das crianças pequenas se entretém parece ser a de que os bebês não nascem nem são feitos, mas achados. "Mamãe, onde você me achou?", perguntou uma criaturinha de três anos e meio. "Mamãe, de onde eu vim?", perguntou outra de três anos e oito meses. "Onde está agora o bebê que uma mulher vai ter no próximo verão?", perguntou um geniozinho de quatro anos e dez meses e, diante da resposta: "Ela o comeu, então?" Outro: "As pessoas voltam a ser bebês quando ficam muito velhas?" Ou então, aos cinco anos e quatro meses: "Quando a gente morre, a gente volta a crescer?"
Como observa o Prof. Piaget, no primeiro estágio de teorização as crianças supõem-se preexistentes; entretanto, suspeitam que os pais devem ter algo a ver com o mistério. O leitor terá notado que as várias interpretações neste nível aproximam-se muito de certas ideias primitivas e arcaicas bem conhecidas; por exemplo, a da concepção através do ato de comer, encontrada em mitos e contos populares de todo o mundo; ou a ideia do renascimento, que talvez já tenha sido sugerida mesmo nos sepultamentos do Homem de Neandertal, há cerca de 100000 anos a.C.
O segundo tipo de questionamento infantil a respeito do nascimento envolve o problema não apenas de onde, mas também do como. Nesta altura, o interesse da criança pelos seus próprios atos de criação, líquidos e sólidos, tem sugerido pelo menos duas possibilidades, que ela nem sempre está disposta a formular, embora possa estar testando ocultamente através de perguntas. As perguntas mencionadas com relação à origem da água e das pedras são exemplos manifestos. Elas supõem algum tipo de "fabricação" misteriosa por parte dos pais, seja fora ou dentro de seus corpos, e tais processos vagamente concebidos são tomados como modelos possíveis também para a criação de outras coisas do mundo. A criança começa a supor que os adultos são os fazedores de todas as coisas; supõe que os pais sejam oniscientes e onipotentes, até que os fatos tornam evidente que não são nem uma coisa nem outra. Depois disso, a imagem tão querida da figura parental que tudo sabe, tudo pode e cria as coisas - seja de modo manual ou de outra forma - é simplesmente transferida para a difusa imagem de um Deus antropomórfico, embora invisível, imagem proveniente da instrução parental ou de outrem.
A figura de um ser criador é praticamente, senão absolutamente, universal nas mitologias do mundo e, assim como a imagem parental é associada na infância, não apenas com o poder de fazer todas as coisas, mas também com a autoridade para comandar, também na concepção religiosa o criador do universo é comumente o provedor e controlador de suas leis. As duas ordens - a infantil e a religiosa - são, no mínimo, análogas e a segunda pode muito bem ser uma simples tradução da primeira para uma esfera fora do âmbito da observação crítica. Piaget assinalou que, embora os pequenos mitos da gênese inventados pelas crianças para explicar sua própria origem e a das coisas possam diferir, a suposição básica subjacente é a mesma, ou seja, que as coisas precisam ser criadas por alguém e que elas são vivas e reagem às ordens de seus criadores. Os mitos da origem dos sistemas mitológicos do mundo diferem também; mas em todos, com exceção dos mais rarefeitos, mantém-se a convicção (como na infância), sem comprovação, de que o universo vivo seja obra ou emanação - psíquica ou física - de algum Deus pai-mãe ou mãe-pai.
Pode-se dizer, então, que o sentido deste mundo como um fluxo indiferenciado de experiência simultaneamente subjetiva e objetiva (participação), pleno de vida (animismo) e elaborado por algum ser superior (artificialismo), constitui a estrutura de referência - axiomática e pressuposta de modo espontâneo - de toda experiência infantil, não importando quais possam ser os detalhes locais dessa experiência. E esses três princípios são, exatamente, aqueles em geral mais representados nos sistemas mitológicos e religiosos de todo o mundo.
Joseph Campbell
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