O ato de tomar chá é uma prática normal, secular e cotidiana, como o é sentar-se em uma sala com amigos. Porém, considere o que acontece quando você resolve prestar total atenção a cada aspecto do ato de tomar chá, enquanto sentado em uma sala com amigos, escolhendo primeiro as xícaras melhores e mais adequadas, arranjando-as da maneira mais elegante, usando um bule especial, partilhando com alguns amigos que se comprazem em estar juntos e provendo-os com coisas para admirar: algumas flores em arranjos perfeitos, para que cada uma irradie sua própria beleza e também a do arranjo; uma pintura escolhida para a ocasião, e talvez uma caixinha de maravilhas, para abrir, fechar e examinar de todos os lados. Então, se no ato de preparar, servir e beber o chá cada etapa da ação for executada dessa maneira graciosamente funcional para que todos os presentes possam desfrutar dela, será possível dizer que essa simples ocasião foi elevada ao status de poema. E, de fato, na escrita de um soneto, as palavras usadas são instrumentos rotineiros de trabalho, seculares e normais. Com o chá acontece exatamente como na poesia: certas regras e estilos foram desenvolvidos em consequência a séculos de experiência; dominando-os, alcançam-se forças de expressão extremamente sutis. Pois como a arte imita a natureza em seu modo de operar, o mesmo ocorre com o chá. O modo da natureza é espontâneo, mas ao mesmo tempo, organizado. A natureza não é, na maior parte do tempo, mero protoplasma. E quanto mais complexa for a organização, maior a manifestação do alcance e força da espontaneidade. O domínio da arte do chá é, portanto, o domínio do princípio da liberdade (automotivação) no contexto de uma civilização altamente complexa, de natureza vítrea, regrada e onde, ao se pretender viver como homem, cada contingência deve despertar apenas gratidão.
Joseph Campbell
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