O vício é apenas o reflexo aristocrático daquilo que, quando é cometido entre as massas, é crime. A perversidade humana, quando é aceita pela sociedade, transforma-se, e o ato deliberado assume as feições da qualidade psicológica inerente, que o homem não pode escolher nem rejeitar, que lhe é imposta de fora e que o domina de modo tão compulsivo como a droga domina o viciado. Ao assimilar o crime e transformá-lo em vício, a sociedade nega toda responsabilidade e estabelece um mundo de fatalidades no qual os homens se veem enredados. O julgamento que via no crime todo afastamento comportamental das normas espelhava pelo menos maior respeito pela dignidade humana. Aceito o crime como espécie de fatalidade, todos podem ser suspeitos de alguma inclinação por ele.
Hannah Arendt
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