1 de fevereiro de 2018

O filho educando o pai


A melhor atenção do jesuíta no Brasil fixou-se vantajosamente no menino indígena. Vantajosamente sob o ponto de vista, que dominava o padre da Companhia de Jesus, de dissolver no selvagem, o mais breve possível, tudo o que fosse valor nativo em conflito sério com a teologia e com a moral da Igreja. O eterno critério simplista do missionário que não se apercebe nunca do risco enorme de ser incapaz de reparar ou substituir tudo quanto destrói. 
O culumim, o padre ia arrancá-lo verde à vida selvagem: com dentes apenas de leite para morder a mão intrusa do civilizador; ainda indefinido na moral e vago nas tendências. Foi, pode-se dizer, o eixo da atividade missionária: dele o jesuíta fez o homem artificial que quis.
O processo civilizador dos jesuítas consistiu principalmente nesta inversão: no filho educar o pai; no menino servir de exemplo ao homem; na criança trazer ao caminho do Senhor e dos europeus a gente grande.
O culumim tornou-se o cúmplice do invasor na obra de tirar à cultura nativa osso por osso, para melhor assimilação da parte mole aos padrões de moral católica e de vida europeia; tornou-se o inimigo dos pais, dos pajés, dos maracás sagrados, das sociedades secretas. Do pouco que havia de duro e de viril naquela cultura e capaz de resistir, ainda que fracamente, à compreensão europeia. Longe dos padres quererem a destruição da raça indígena: queriam era vê-la aos pés do Senhor, domesticada para Jesus. O que não era possível sem antes quebrar-se na cultura moral dos selvagens a sua vértebra e na material tudo o que estivesse impregnado de crenças e tabus difíceis de assimilar ao sistema católico. Às vezes os padres procuraram, ou conseguiram, afastar os meninos da cultura nativa, tornando-a ridícula aos seus olhos de catecúmenos: como no caso do feiticeiro referido por Montoya. Conseguiram os missionários que um velho feiticeiro, figura grotesca e troncha, dançasse na presença da meninada: foi um sucesso. Os meninos acharam-no ridículo e perderam o antigo respeito ao bruxo, que daí em diante teve de contentar-se em servir de cozinheiro dos padres.

Gilberto Freyre

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