O maior hospital da cidade e até mesmo do país é a Santa Casa de Misericórdia. O estabelecimento está localizado na praia, mesmo ao pé do Morro do Castelo e tem as suas portas constantemente abertas aos enfermos e aflitos. A administração do hospital presta a mais eficiente assistência que pode, a todos indistintamente: homens e mulheres, pretos e brancos, mouros e cristãos, não sendo necessário a quem quer que seja pedir recomendação a influentes para lá ser recebido. Pelas estatísticas da casa, vê-se que mais de cinco mil doentes são aí anualmente tratados, sendo que desses, mais de mil morrem. Contudo, as beneméritas finalidades da instituição têm sido até agora bastante dificultadas por falta de acomodações, pois os prédios em que está instalada são antigos e mal construídos. Já se acha em vias de ereção o novo hospital cuja pedra foi lançada em julho de 1840. Na Santa Casa são tratados muitos marinheiros ingleses e franceses vítimas de moléstias ou acidentes por ocasião da chegada ou durante a sua permanência no porto. De fato, poucas são as nações não representadas nas enfermarias dessa instituição. Sendo livre o ingresso às suas dependências, existe aí vasto e interessante campo para o exercício da caridade entre os doentes e moribundos, não apenas em colóquios cristãos mas também na pregação religiosa.
A ação piedosa desta verdadeira casa de misericórdia não se limita aos doentes das suas enfermarias, estende-se também às cadeias da cidade cujos sentenciados dela recebem alimentação e medicamentos.
Além do hospital gratuito a instituição mantém um asilo para enjeitados e um recolhimento para meninas órfãs. O Asilo dos Expostos é também chamado Casa da Roda em alusão ao dispositivo nela existente, no qual, da rua, depositam as crianças enjeitadas que, com meia volta do aparelho vão ter dentro do estabelecimento. Essa roda ocupa toda uma janela e gira em torno de um eixo perpendicular. É dividida em quatro setores, um dos quais está sempre aberto para o lado de fora, convidando a aproximação de todos os que forem suficientemente desalmados a ponto de desejar se desfazer de seus rebentos. Para tanto têm apenas de depositar a criança na caixa e, movimentando a roda, passá-la para o interior do prédio, seguindo, depois, seu caminho sem ser visto.
Tais instituições, tanto no Brasil como em outros países provêm de mal compreendida filantropia. Não somente oferecem elas incentivo ao afrouxamento dos costumes, mas ainda estimula a mais clamorosa das desumanidades. De três mil, seiscentas e trinta crianças abandonadas no Rio de Janeiro, durante a década que precedeu o ano de 1840, somente mil e vinte e quatro estavam ainda vivas ao findar aquele ano. No período compreendido entre 1838 e 1839, quatrocentos e quarenta e nove inocentes foram depositados na roda sendo que dentre eles seis foram encontrados mortos quando retirados da caixa. Muitos morreram no primeiro dia após o abandono e duzentos e trinta e oito faleceram pouco depois. A despeito de todos os esforços despendidos e das despesas feitas com a contratação de todas as amas que puderam encontrar, só foi possível salvar um terço dos enjeitados. Quase todos os médicos do estabelecimento que nos acompanharam em nossas visitas tinham a mesma eloquente expressão: "Isto é uma carnificina, meu amigo!"
De trinta a quarenta crianças dão entrada no Asilo, mensalmente. A que nível deve ter caído o sentimento de humanidade das inúmeras pessoas que contribuem para tão degradante espetáculo!
O fator preponderante desse estado de coisas reside no fato de muitos dos expostos serem filhos de escravas cujos senhores, não querendo ter trabalho nem fazer gastos com a criação dos negrinhos, ou precisando das mães para amas, obrigam-nas a abandoná-los na "enjeitaria" de onde, se sobreviverem, sairão libertos.
O Recolhimento das Meninas Órfãs é um estabelecimento bastante popular. As meninas provêm principalmente da Casa da Roda. Não só visa, a instituição, a proteção das meninas durante a infância, mas, ainda, providencia seu casamento e dá a cada uma delas um dote de duzentos a quatrocentos mil réis.
No dia dois de julho, data em que a Igreja Católica celebra com missas, procissões e outras cerimônias litúrgicas, a visitação de Santa Isabel à Santíssima Virgem, o Recolhimento franqueia suas portas ao público que para lá flui em quantidade; algumas pessoas levam presentes às recolhidas; rapazes vão pedir a mão de suas eleitas. Em 1840, as celebrações desse dia se revestiram de pompa desusada. Diversas órfãs se casaram. O Regente a Família Imperial assistiram às cerimônias religiosas e visitaram o Recolhimento.
Daniel Kidder
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