23 de outubro de 2016

Quem alimentará os percevejos?


Todo o cosmo está animado e as leis fundamentais de sua vida são constantes por toda sua extensão. Portanto, deveríamos praticar a não-violência até mesmo com os pequenos e mudos seres vivos, que tão pouca consciência possuem. O monge jaina, por exemplo, evita tocar ou espremer os átomos dos elementos. Ele não pode deixar de respirar, mas para impedir um possível dano, ele tem de usar um véu diante da boca: isto diminui o impacto do ar no interior da garganta. Não deve estalar os dedos nem abanar o ar, pois isso perturba e causa prejuízos. Num barco, se pessoas más, por alguma razão, decidem atirar um monge jaina na água, ele não deve chegar até a margem com braçadas fortes e violentas, como um valente nadador, mas tem que deslizar suavemente, como uma tora, deixando que a corrente o aproxime da terra firme: não deve alterar ou ferir os átomos de água. Deixará também que a água evapore de sua pele, não deverá enxugar-se ou balançar os membros com violência.
Desta forma, a não-violência é levada a suas últimas consequências. A seita jaina sobrevive como uma espécie de vestígio bem fundamentalista numa civilização que sofreu muitas transformações desde aquela remota época, quando esta ciência e ordem religiosa piedosa veio a existir, mostrando o mundo da natureza e os meios para escapar dele. Mesmo os jainistas laicos precisam estar atentos para não causar inconvenientes desnecessários a seus semelhantes. Por exemplo, não podem beber água depois que o dia escureceu, pois algum inseto pode ser engolido. Não devem comer carne de espécie alguma, nem matar os insetos voadores que tanto incomodam. Na verdade, obtêm-se méritos ao permitir que estes bichinhos pousem e piquem. Tudo isto levou aos mais bizarros costumes populares que, ainda hoje, podemos presenciar nas ruas de Bombaim.
Um par de homens caminha levando entre eles uma espécie de colchão cheio de percevejos. Param frente a uma casa de família jaina e perguntam em alta voz: "Quem alimentará os percevejos? Quem alimentará os percevejos?" Se alguma senhora devota atira uma moeda da janela, um deles se deita cuidadosamente no colchão e oferece a si próprio como pasto para seus pequenos amigos. Assim, enquanto a dona de casa obtém seus méritos, o herói do colchão ganha sua moeda.
 
Heinrich Zimmer

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