23 de outubro de 2016

O que fazer com Stratis?


Hoje de manhã cedo Stratis entrou no alojamento como um vendaval. Ria, dançava, batia nas coxas, cantando em altos brados:

"Até quando, meus irmãos,
Percorreremos as veredas,
Feito leões solitários,
Pelos montes e penedos?"

Rodopiou entre os leitos e não parou de nos importunar até que todo mundo se levantou.
- O que foi que lhe aconteceu, Stratis? - gritamos. - Andou bebendo?
- E onde havia de conseguir vinho? Maldita cambada de idiotas! Trago uma grande notícia para vocês! De pé, vamos! Quando souberem, saltarão até o teto, batendo nas coxas e dançando como dervixes.
Todos pularam da cama para cercá-lo:
- Ande, de uma vez, Stratis, conte, pelo amor de Deus. Também queremos celebrar a grande notícia.
- O único que sabe é o comandante. Está guardando segredo. Mas eu o surpreendi e vim correndo contar para que vocês também se regozijassem.
Estávamos presos a seus lábios:
- Ande, conte, não nos mate de curiosidade!
- Agorinha mesmo subi ao quarto do comandante e me escondi atrás da porta. Era a hora em que ele liga o rádio para escutar as notícias. Algo me dizia que havia novidade em Atenas. Prestei atenção, e o que ouço? Vocês morrerão de alegria quando souberem!
- Os boinas-rubras abandonaram o cume das Águias?
- Melhor, muito melhor que isso! - gritou Stratis. - Vamos ver o seguinte! Você, Panos, dê seu palpite, meu cordeirinho!
- O que é que pode ser, então? - retrucou o valente pastor. - Tomamos Argirocastro?
- Muito melhor ainda, estou dizendo! Fale você, o sabidíssimo.
- A guerra acabou - arrisquei, rindo, mas com o coração batendo loucamente.
- Acertou! À sua saúde, sábio Salomão! A guerra acabou, irmãos! Os capitães da montanha de um lado e o rei de outro, junto com ministros e generais, se encontraram todos em Atenas para se apertarem as mãos. "Para que nos matarmos uns aos outros, rapazes?", disseram. "Não somos todos irmãos? Depois de tirar as boinas vermelhas e as pretas, nossas cabeças não são todas gregas? Portanto, chega de massacre, vocês são valentes, nós somos valentes, apertemos as mãos!" Foi o que fizeram, então. Assinaram papéis, tudo isso na mesma noite, e se beijaram. Expediram instruções para voltarmos às nossas casas e para os guerrilheiros descerem das montanhas. E em cada aldeia vão preparar as mesas, trazer vinho e dançar lançando os gorros no ar, rubros e pretos. Neste instante Atenas está coberta de fogos de artifício, os sinos repicam, o povo se espalha pelas ruas e a catedral abre os pórticos ao rei para celebrar um Te Deum.
Caímos em cima de Stratis para beijá-lo, tropeçando uns nos outros aos brados de urra!, entre lágrimas, risos e danças. Todo mundo se abraçava: "Cristo ressuscitou!" Era preciso sermos feras, era preciso sermos malditos para continuar com aquela chacina por mais tempo! Viva a Grécia! Stratis arremessou a boina ao teto:
- Vamos dar uma volta, rapazes! - gritou. - Façamos um cortejo! Vamos tocar o sino e chamar o padre, para que traga o Evangelho ao quartel e celebre uma ação de graças!
Saímos todos correndo pela estrada, cantando o hino nacional. As portas e janelas se abriam, os aldeões vinham às ruas.
- O que foi que aconteceu, rapazes?
- Acabou a guerra, irmãos, terminou! Hasteiem as bandeiras, abram barris de vinho, bebam todos, a guerra acabou!
Os moradores se precipitaram rua afora fazendo o sinal da cruz. As mulheres e as moças ficavam nos limiares, aplaudindo.
- Até a volta, rapazes, boa viagem!
O velho padre Yannaros, com seu coque de padre e rijo como o couro, bravo veterano da guerra contra a Albânia, cujo peito está coberto de cicatrizes, saiu correndo da igreja com os braços abertos:
- É verdade o que ouvi, meus filhos? - clamou. - A guerra acabou?
- Ponha sua estola, meu pai - respondeu-lhe Stratis. - Apanhe o missal e vamos felicitar o comandante. O senhor fará um discurso e bateremos à máquina uma proclamação. A guerra acabou, está morta, maldita seja!
E entoou comicamente o réquiem: - "Vamos nos despedir pela última vez..."
O padre se persignou, com os olhos banhados em lágrimas.
- A reconciliação! - exclamou. - A reconciliação! Repitam comigo, meus filhos, para rejubilar meu coração!
- A reconciliação, a reconciliação! - berramos de modo ensurdecedor. - Ande, busque sua estola!
Mitros surgiu, esbaforido.
- O que foi que houve, rapazes? - gritou. - O que aconteceu, para que toda essa loucura?
- Belo Mitros, a guerra acabou! Você vai poder voltar à sua bela caminha, ao lado da senhora Mitros.
Mitros abriu a boca, com o coração transido.
- Estão falando sério? - conseguiu dizer. - Acabou mesmo, para sempre, esta maldita guerra? Quem trouxe a notícia?
- A voz das sereias!
Mitros aplaudiu e se pôs a dançar:
- Viva a Rumélia! - exclamou. - Deem-se as mãos, meus irmãos, e dancemos para festejar a morte de Caronte.
Cinco ou seis soldados se deram as mãos e enquanto cantavam começaram a dançar o tsamiko.
Nesse meio tempo chegou o padre, revestido da estola recamada e carregando o pesado missal de prata.
- Louvemos o Senhor - disse. - Eis a autêntica Ressurreição! A caminho.
Pusemo-nos em frente, acompanhados pela aldeia em peso, homens e mulheres, que batiam em todas as portas aos berros: "Venham! Venham!"
Eu ia ao lado de Stratis, mas minha imaginação partira a galope. Já me enxergava em Atenas, batendo em seu quarto. Você me abria e me encontrava à sua frente. Lançava-se em meus braços, enquanto eu beijava sua nuca, sem conseguir falar, estrangulado por tantas coisas que queria dizer: iríamos a Naxos, como em meu sonho, receber as bênçãos de meus pais. O nosso casamento seria realizado no jardim de vovô, em Egares, à sombra das laranjeiras, entre as rosas... Imaginava tudo isso e meu pensamento esvoaçava em torno de seus cabelos, como uma borboleta.
De repente Stratis levantou a mão.
- Parem, rapazes. Tenho algo a dizer!
Todo mundo estacou.
- É mentira! - gritou, dando risadas. - É mentira! Primeiro de abril!
 
Nikos Kazantzakis

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