Eu tinha uma avó que ia fazer uns oitenta anos. Um verdadeiro romance, a história dessa velha. Bem, mas isso é uma outra história também... Ela tinha então uns oitenta anos, e diante de nossa casa morava uma mocinha fresca como uma flor. Chamava-se Kristalo. Todas as noites de sábado, nós, os transviados da aldeia, íamos tomar uns tragos, e vinho nos estimulava. Púnhamos um ramo de basílica atrás da orelha, meu primo pegava o violão e íamos fazer serenata. Que chama! Que paixão! Berrávamos como búfalos. Todos nós a desejávamos, e todas as noites de sábado íamos em rebanho para que ela escolhesse. Pois bem, você acredita, patrão? É um mistério impressionante. Há na mulher uma chaga que não se fecha nunca. Todas as outras se curam, mas essa, não creia nos seus livrecos, essa não se fecha nunca. Só porque a mulher tem oitenta anos? Não importa. A chaga continua aberta. Todos os sábados, então, a velha puxava o seu colchão para debaixo da janela, apanhava às escondidas o seu espelho e começava a pentear os poucos fios de cabelo que lhe restavam e a se pintar... Olhava ela em torno, disfarçadamente, com medo de ser vista; se alguém se aproximava, ela ficava quieta como uma santinha e fingia dormir. Mas dormir como? Ela estava esperando a serenata. Com oitenta anos! Você sabe, patrão, isso hoje me dá vontade de chorar. Mas naquele tempo eu era bobo, não entendia, e me dava vontade de rir. Um dia fiquei com raiva dela. Ela estava resmungando comigo porque eu vivia atrás das moças, e resolvi botar tudo para fora: “Por que você se pinta e se penteia todos os sábados? Você está pensando que a serenata é para você? Pois não é, não. Nós desejamos Kristalo. Você cheira a cadáver!” Creia-me, patrão! Foi nesse dia, quando vi duas lágrimas caírem dos olhos de minha avó, que pela primeira vez entendi o que é uma mulher. Ela havia se encolhido em seu canto, acuada como uma cadela, e o seu queixo tremia. “Kristalo!”, gritava eu, me aproximando dela para que ouvisse melhor, “Kristalo!” A juventude é um animal feroz, que não entende nada. Minha avó levantou os braços descarnados em direção ao alto e gritou para mim: “Eu te maldigo do fundo do meu coração”. A partir desse dia ela começou a decair, depauperou-se, e dois meses depois estava morrendo. Na sua agonia, ela me viu. Soprou como uma tartaruga e estendeu sua mão seca para me agarrar: “Foi você que me matou, Alexis, foi você que me matou, maldito. Maldição sobre você, e que sofra o que eu sofri.”
Nikos Kazantzakis
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