Como um deus do povo semítico do deserto, Alá revela - assim como Jeová - as características de uma típica divindade tribal semítica, sendo que a primeira, e mais importante, é de natureza transcendente, e não imanente. Tais deuses não são para serem conhecidos mediante estudo da ordem natural, seja externo (por intermédio da ciência) ou interno (pela meditação); porque a natureza, seja exterior ou interior, não os contém. E a segunda característica é uma função da primeira, a saber: que para cada tribo semítica o deus principal é o protetor e o legislador do grupo local e apenas dele. Ele não se faz conhecer por meio do sol, da lua, ou na ordem cósmica, mas nas leis e costumes locais - que diferem obviamente, de grupo para grupo. Consequentemente, ao passo que entre os árias - para quem os deuses principais eram os da natureza - havia sempre e em todas as partes uma tendência para reconhecer as divindades próprias nos cultos estrangeiros, tendência essa em direção ao sincretismo, entre os semitas, em contrapartida, o culto de seus deuses tribais sempre foi em direção ao exclusivismo, separatismo e intolerância.
No plano primitivo não há necessidade, ou mesmo possibilidade, de que um deus tribal local seja considerado como o senhor de todo o mundo. Cada grupo simplesmente tem seu próprio legislador e padroeiro; o resto do mundo - se é que há tal coisa - pode tomar conta de si mesmo, sob seus próprios deuses; pois se supõe que cada povo tenha um legislador e padroeiro divino próprios. Chamamos a tal ideia de monolatria. Em consequência, durante a primeira longa e terrível fase da ocupação israelita de Canaã, Jeová era concebido simplesmente como um deus tribal mais poderoso que os outros. A próxima fase memorável do desenvolvimento bíblico ocorreu quando esse deus assim considerado foi identificado com o deus-criador do Universo. Nenhuma nação entre todas as da Terra, a não ser Israel, podia então reivindicar conhecer e adorar esse Deus único e verdadeiro entre todos os outros, ou ser objeto de Sua preocupação principal.
Ironicamente, o conceito desse deus de estatura cósmica não ocorreu aos hebreus do deserto até eles se introduzirem na esfera cultural superior das civilizações sedentárias, onde a escrita era conhecida há milênios, e já havia registros matemáticos dos movimentos não apenas do firmamento em geral mas também dos planetas. A ordem cósmica, conforme entendida pelos sacerdotes daquelas civilizações da Alta Idade do Bronze, tinha sido de uma maravilhosa regularidade matemática, sempre girando, sempre ressurgindo para a existência e decaindo para o caos, de acordo com leis fixas, as quais os sacerdotes dedicados a observar os astros foram os primeiros a conhecer. E a causa última desse ritmo da existência não fora representada como uma personalidade voluntariosa: um deus como Jeová, por exemplo. Ao contrário: personalidade, vontade, misericórdia e ira eram, naqueles sistemas, apenas aspectos secundários de uma ordem absolutamente impessoal, implacável, da qual os deuses - todos os deuses - eram meros agentes.
Em contraste dramático com essa visão, os povos semíticos do complexo do deserto permaneceram com seus próprios padroeiros tribais quando se introduziram na esfera cultural superior; e, embora aceitando, grosseiramente, a ideia de uma ordem cósmica, em vez de submeter seu próprio deus a ela, eles fizeram dele seu criador e mantenedor - mas em nenhum sentido seu Ser imanente. Pois ele continuou sendo, como sempre, uma entidade à parte: pessoal, antropomórfica. E ele podia ser conhecido, além do mais, como nos tempos tribais no deserto, apenas mediante as leis sociais de seu grupo que era o único favorecido com exclusividade. Não as leis da natureza, expostas a todos os olhos e mentes capazes de observar e raciocinar, mas unicamente as leis dessa molécula social particular, na vasta e prolífica história da humanidade, seriam conhecidas como expressão da única lição de Deus. Por isso, a advertência de Jeremias para que "não vos espanteis com os sinais do céu, ainda que as nações se espantem com eles. Sim, os costumes dos povos são vaidades"; e de Muhammad: "De fato, vemos tua face virada para o céu. Orientemo-nos, pois, na direção que te agrada. Vira, então, a face na direção da Mesquita Sagrada em Meca. Onde quer que estejas, volta tua face para aquela direção". "Quem seguir outra religião diferente do Islã, jamais isso será aceito dele e, no Além, estará entre os que se perderam".
Todavia, existem certas diferenças entre os conceitos bíblicos e os do Alcorão quanto ao grupo favorecido por Deus e o caráter da lei de Deus. A primeira e mais óbvia delas: enquanto a comunidade do Antigo Testamento era tribal, o Alcorão foi dirigido à humanidade. O islamismo - como o budismo e o cristianismo - considera-se uma religião universal, ao passo que o judaísmo - como o hinduísmo - permaneceu tanto conceitual quanto factualmente uma forma de religião étnica.
No plano primitivo não há necessidade, ou mesmo possibilidade, de que um deus tribal local seja considerado como o senhor de todo o mundo. Cada grupo simplesmente tem seu próprio legislador e padroeiro; o resto do mundo - se é que há tal coisa - pode tomar conta de si mesmo, sob seus próprios deuses; pois se supõe que cada povo tenha um legislador e padroeiro divino próprios. Chamamos a tal ideia de monolatria. Em consequência, durante a primeira longa e terrível fase da ocupação israelita de Canaã, Jeová era concebido simplesmente como um deus tribal mais poderoso que os outros. A próxima fase memorável do desenvolvimento bíblico ocorreu quando esse deus assim considerado foi identificado com o deus-criador do Universo. Nenhuma nação entre todas as da Terra, a não ser Israel, podia então reivindicar conhecer e adorar esse Deus único e verdadeiro entre todos os outros, ou ser objeto de Sua preocupação principal.
Ironicamente, o conceito desse deus de estatura cósmica não ocorreu aos hebreus do deserto até eles se introduzirem na esfera cultural superior das civilizações sedentárias, onde a escrita era conhecida há milênios, e já havia registros matemáticos dos movimentos não apenas do firmamento em geral mas também dos planetas. A ordem cósmica, conforme entendida pelos sacerdotes daquelas civilizações da Alta Idade do Bronze, tinha sido de uma maravilhosa regularidade matemática, sempre girando, sempre ressurgindo para a existência e decaindo para o caos, de acordo com leis fixas, as quais os sacerdotes dedicados a observar os astros foram os primeiros a conhecer. E a causa última desse ritmo da existência não fora representada como uma personalidade voluntariosa: um deus como Jeová, por exemplo. Ao contrário: personalidade, vontade, misericórdia e ira eram, naqueles sistemas, apenas aspectos secundários de uma ordem absolutamente impessoal, implacável, da qual os deuses - todos os deuses - eram meros agentes.
Em contraste dramático com essa visão, os povos semíticos do complexo do deserto permaneceram com seus próprios padroeiros tribais quando se introduziram na esfera cultural superior; e, embora aceitando, grosseiramente, a ideia de uma ordem cósmica, em vez de submeter seu próprio deus a ela, eles fizeram dele seu criador e mantenedor - mas em nenhum sentido seu Ser imanente. Pois ele continuou sendo, como sempre, uma entidade à parte: pessoal, antropomórfica. E ele podia ser conhecido, além do mais, como nos tempos tribais no deserto, apenas mediante as leis sociais de seu grupo que era o único favorecido com exclusividade. Não as leis da natureza, expostas a todos os olhos e mentes capazes de observar e raciocinar, mas unicamente as leis dessa molécula social particular, na vasta e prolífica história da humanidade, seriam conhecidas como expressão da única lição de Deus. Por isso, a advertência de Jeremias para que "não vos espanteis com os sinais do céu, ainda que as nações se espantem com eles. Sim, os costumes dos povos são vaidades"; e de Muhammad: "De fato, vemos tua face virada para o céu. Orientemo-nos, pois, na direção que te agrada. Vira, então, a face na direção da Mesquita Sagrada em Meca. Onde quer que estejas, volta tua face para aquela direção". "Quem seguir outra religião diferente do Islã, jamais isso será aceito dele e, no Além, estará entre os que se perderam".
Todavia, existem certas diferenças entre os conceitos bíblicos e os do Alcorão quanto ao grupo favorecido por Deus e o caráter da lei de Deus. A primeira e mais óbvia delas: enquanto a comunidade do Antigo Testamento era tribal, o Alcorão foi dirigido à humanidade. O islamismo - como o budismo e o cristianismo - considera-se uma religião universal, ao passo que o judaísmo - como o hinduísmo - permaneceu tanto conceitual quanto factualmente uma forma de religião étnica.
Joseph Campell
Nenhum comentário:
Postar um comentário