Acontece, com efeito, que o Estado tem medo da filosofia em geral, e precisamente, se este é o caso, tentará atrair para si o maior número de filósofos que lhe deem a aparência de ter a filosofia do seu lado - porque tem do seu lado esses homens, que levam o nome dela e no entanto estão tão longe de infundir medo. Mas, se aparecer um homem que efetivamente faça menção de ir com a faca da verdade ao corpo de tudo, até mesmo do Estado, então o Estado, porque antes de tudo afirma sua própria existência, estará no direito de excluir de si um tal homem e tratá-lo como inimigo seu: assim como exclui e trata como inimiga uma religião que se coloca acima dele e quer ser seu juiz. Se alguém suporta, pois, ser filósofo em função do Estado, tem também de suportar ser considerado por ele como se tivesse renunciado a perseguir a verdade em todos os seus escaninhos. Pelo menos enquanto estiver favorecido e empregado, ele tem de reconhecer ainda, acima da verdade, algo superior, o Estado. E não meramente o Estado, mas ao mesmo tempo tudo o que o Estado exige para seu bem: por exemplo, uma forma determinada de religião, a ordem social, a organização militar - em todas estas coisas está inscrito um noli me tangere (não me toques).
Primeiramente: o Estado escolhe para si seus servidores filosóficos, e, aliás, tantos quantos precisa para seus estabelecimentos; dá-se, pois, a aparência de poder distinguir entre bons e maus filósofos e, mais ainda, pressupõe que sempre há de haver bons em número suficiente para ocupar com eles todas as suas cátedras de ensino. Não somente no tocante aos bons, mas também ao número necessário dos bons, é ele agora a autoridade. Em segundo lugar: ele força aqueles que escolheu para si a uma estadia em um determinado lugar, entre determinados homens, para uma determinada atividade; devem instruir todo jovem acadêmico que tiver disposição para isso, e aliás diariamente, em horas fixas. Pergunta: pode propriamente um filósofo, com boa consciência, comprometer-se a ter diariamente algo para ensinar? E a ensiná-lo diante de qualquer um que queira ouvir? Ele não tem de se dar a aparência de saber mais do que sabe? não tem de falar, diante de um auditório desconhecido, sobre coisas das quais somente com o amigo mais próximo poderia falar sem perigo? E, em geral: não se despoja de sua mais esplêndida liberdade, a de seguir seu gênio, quando este chama e para onde este chama? - por estar comprometido a pensar publicamente, em horas determinadas, sobre algo predeterminado. E isto diante de jovens! Um tal pensar não está de antemão como que emasculado? E se ele sentisse um dia: hoje não consigo pensar nada, não me ocorre nada que preste - e apesar disso teria de se apresentar e parecer pensar!
Mas, objetarão, ele não deve ser um pensador, mas no máximo um repensador e pós-pensador, e antes de tudo um conhecedor erudito de todos os pensadores anteriores; dos quais sempre poderá contar algo que seus alunos não saibam. - Esta é precisamente a terceira concessão altamente perigosa da filosofia ao Estado, quando ela se compromete com ele a fazer, em primeiro lugar e principalmente, o papel de erudição. Antes de tudo, como conhecimento da história da filosofia: enquanto para o gênio que olha para as coisas puramente e com amor, semelhante ao poeta, e quer sempre penetrar nelas mais e mais profundamente, revolver inúmeras opiniões alheias e pervertidas está a ponto de ser a ocupação mais repelente e inoportuna. A história erudita do passado nunca foi a ocupação de um filósofo verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia; e um professor de filosofia, se se ocupa com o trabalho dessa espécie, tem de aceitar que se diga dele, no melhor dos casos: é um competente filólogo, antiquário, conhecedor de línguas, historiador - mas nunca: é um filósofo. E isso apenas no melhor dos casos, como foi observado; pois, diante da maioria dos trabalhos de erudição feitos por filósofos universitários, um filólogo tem o sentimento de que são mal feitos, sem rigor científico e o mais das vezes detestavelmente fastidiosos. Quem, por exemplo, salvará a história da filosofia grega do vapor soporífero que os trabalhos eruditos, mas não muito científicos e infelizmente muito fastidiosos, de Ritter, Brandi e Zeller espalharam sobre ela? Eu, pelo menos, prefiro ler Diógenes Laércio do que Zeller, porque naquele, pelo menos, o espírito dos filósofos antigos está vivo, mas neste, nem esse nem qualquer outro espírito. E, por fim, em que neste mundo importa a nossos jovens a história da filosofia? Será que eles devem, pela confusão das opiniões, ser desencorajados de terem opiniões? Será que devem ser ensinados a participar do coro de júbilo: como chegamos tão esplendidamente longe? Será que, porventura, devem aprender a odiar ou desprezar a filosofia? Quase se poderia pensar este último, quando se sabe como os estudantes têm de se martirizar por causa de suas provas de filosofia, para imprimir as ideias mais malucas e mais espinhosas do espírito humano, ao lado das mais grandiosas e mais difíceis de captar, em seu pobre cérebro. A única crítica de uma filosofia que é possível e que além disso demonstra algo, ou seja, ensaiar se se pode viver segundo ela, nunca foi ensinada em universidades: mas sempre a crítica de palavras com palavras. E agora pense-se em uma cabeça juvenil, sem muita experiência da vida, em que cinquenta sistemas em palavras e cinquenta críticas desses sistemas são guardados juntos e misturados - que aridez, que selvageria, que escárnio, quando se trata de uma educação para a filosofia! Mas, de fato, todos reconhecem que não se educa para ela, mas para uma prova de filosofia: cujo resultado, sabidamente e de hábito, é que quem sai dessa prova - ai, dessa provação! - confessa a si mesmo com um profundo suspiro: "Graças a Deus que não sou filósofo, mas cristão e cidadão do meu Estado!"
E se esse suspiro profundo fosse justamente o propósito do Estado, e a "educação para a filosofia", em vez de conduzir a ela, servisse somente para afastar da filosofia?
Primeiramente: o Estado escolhe para si seus servidores filosóficos, e, aliás, tantos quantos precisa para seus estabelecimentos; dá-se, pois, a aparência de poder distinguir entre bons e maus filósofos e, mais ainda, pressupõe que sempre há de haver bons em número suficiente para ocupar com eles todas as suas cátedras de ensino. Não somente no tocante aos bons, mas também ao número necessário dos bons, é ele agora a autoridade. Em segundo lugar: ele força aqueles que escolheu para si a uma estadia em um determinado lugar, entre determinados homens, para uma determinada atividade; devem instruir todo jovem acadêmico que tiver disposição para isso, e aliás diariamente, em horas fixas. Pergunta: pode propriamente um filósofo, com boa consciência, comprometer-se a ter diariamente algo para ensinar? E a ensiná-lo diante de qualquer um que queira ouvir? Ele não tem de se dar a aparência de saber mais do que sabe? não tem de falar, diante de um auditório desconhecido, sobre coisas das quais somente com o amigo mais próximo poderia falar sem perigo? E, em geral: não se despoja de sua mais esplêndida liberdade, a de seguir seu gênio, quando este chama e para onde este chama? - por estar comprometido a pensar publicamente, em horas determinadas, sobre algo predeterminado. E isto diante de jovens! Um tal pensar não está de antemão como que emasculado? E se ele sentisse um dia: hoje não consigo pensar nada, não me ocorre nada que preste - e apesar disso teria de se apresentar e parecer pensar!
Mas, objetarão, ele não deve ser um pensador, mas no máximo um repensador e pós-pensador, e antes de tudo um conhecedor erudito de todos os pensadores anteriores; dos quais sempre poderá contar algo que seus alunos não saibam. - Esta é precisamente a terceira concessão altamente perigosa da filosofia ao Estado, quando ela se compromete com ele a fazer, em primeiro lugar e principalmente, o papel de erudição. Antes de tudo, como conhecimento da história da filosofia: enquanto para o gênio que olha para as coisas puramente e com amor, semelhante ao poeta, e quer sempre penetrar nelas mais e mais profundamente, revolver inúmeras opiniões alheias e pervertidas está a ponto de ser a ocupação mais repelente e inoportuna. A história erudita do passado nunca foi a ocupação de um filósofo verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia; e um professor de filosofia, se se ocupa com o trabalho dessa espécie, tem de aceitar que se diga dele, no melhor dos casos: é um competente filólogo, antiquário, conhecedor de línguas, historiador - mas nunca: é um filósofo. E isso apenas no melhor dos casos, como foi observado; pois, diante da maioria dos trabalhos de erudição feitos por filósofos universitários, um filólogo tem o sentimento de que são mal feitos, sem rigor científico e o mais das vezes detestavelmente fastidiosos. Quem, por exemplo, salvará a história da filosofia grega do vapor soporífero que os trabalhos eruditos, mas não muito científicos e infelizmente muito fastidiosos, de Ritter, Brandi e Zeller espalharam sobre ela? Eu, pelo menos, prefiro ler Diógenes Laércio do que Zeller, porque naquele, pelo menos, o espírito dos filósofos antigos está vivo, mas neste, nem esse nem qualquer outro espírito. E, por fim, em que neste mundo importa a nossos jovens a história da filosofia? Será que eles devem, pela confusão das opiniões, ser desencorajados de terem opiniões? Será que devem ser ensinados a participar do coro de júbilo: como chegamos tão esplendidamente longe? Será que, porventura, devem aprender a odiar ou desprezar a filosofia? Quase se poderia pensar este último, quando se sabe como os estudantes têm de se martirizar por causa de suas provas de filosofia, para imprimir as ideias mais malucas e mais espinhosas do espírito humano, ao lado das mais grandiosas e mais difíceis de captar, em seu pobre cérebro. A única crítica de uma filosofia que é possível e que além disso demonstra algo, ou seja, ensaiar se se pode viver segundo ela, nunca foi ensinada em universidades: mas sempre a crítica de palavras com palavras. E agora pense-se em uma cabeça juvenil, sem muita experiência da vida, em que cinquenta sistemas em palavras e cinquenta críticas desses sistemas são guardados juntos e misturados - que aridez, que selvageria, que escárnio, quando se trata de uma educação para a filosofia! Mas, de fato, todos reconhecem que não se educa para ela, mas para uma prova de filosofia: cujo resultado, sabidamente e de hábito, é que quem sai dessa prova - ai, dessa provação! - confessa a si mesmo com um profundo suspiro: "Graças a Deus que não sou filósofo, mas cristão e cidadão do meu Estado!"
E se esse suspiro profundo fosse justamente o propósito do Estado, e a "educação para a filosofia", em vez de conduzir a ela, servisse somente para afastar da filosofia?
Friedrich Nietzsche
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