12 de junho de 2019

Um fio narrativo para o ego


Ainda hoje dizemos: eu amo esta mulher, e odeio aquela pessoa, em vez de dizer, elas me atraem ou repelem. Para sermos mais exatos, deveríamos acrescentar: sou eu quem desperta nelas a capacidade de me atrair ou repelir. E para sermos mais exatos ainda, seria preciso acrescentar que elas fazem brotar em mim as qualidades necessárias para isso. E assim por diante; não se pode dizer onde se dá o primeiro passo, pois é uma dependência mútua, funcional, como entre dois balões de borracha ou dois circuitos elétricos. E naturalmente há muito tempo sabemos que também nós deveríamos sentir assim, mas ainda preferimos, de longe, ser a causa primeira nos campos das forças das emoções que nos rodeiam; mesmo quando um de nós admite que imita outro, exprime isso como se fosse uma realização ativa! Por isso perguntei, e pergunto de novo, se já se apaixonou desmedidamente, ou se sentiu desmedidamente irada ou desesperada. Pois então, com um pouco de capacidade de observação, a gente compreende perfeitamente que no meio da maior excitação somos como uma abelha numa janela, ou um infusório numa água envenenada; sofremos uma tempestade emocional, corremos cegamente para todos os lados, batemos cem vezes contra o impenetrável, e uma vez, com sorte, passamos pela porta que dá para a liberdade, o que mais tarde, é claro, no rígido estado consciente, julgamos ter sido ato planejado.
 
Robert Musil

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