O Sr. Martinho era homem de cinquenta anos mais ou menos, baixo, forte e agradável, conquanto de maneiras francamente rudes. A família compunha-se da mulher, uma filha e cinco netos. A filha enviuvara um ano antes e se acolhera à casa paterna com seus filhos. Estes eram muito engraçadinhos e aparentavam inteligência acima do comum. Agradou-nos sobremaneira o fato de sermos obsequiados tanto pelos mais velhos como pelas crianças, coisa deveras admirável em se tratando de estrangeiro vindo de país distante. Depois da ceia - que constou de bolacha, manteiga e chá, do qual não nos servimos - penduraram uma rede em dois ganchos, no canto do quarto e nos deixaram entregues às nossas devoções, sinceramente gratos por termos escapado aos ricos e perigos da viagem e pela amável hospitalidade com que mais uma vez nos acolhiam em país estranho.
Era a primeira vez que dormíamos em uma dessas camas oscilantes, adotadas no Brasil, e, depois da primeira noite de descanso, aprovamo-la sem restrição. Na manhã seguinte fizemos presente à dona da casa do farnel que havíamos preparado para a viagem, o qual foi muito apreciado. O almoço foi servido tarde e à mesa sentamo-nos com o dono da casa e seu neto mais velho. As mulheres almoçaram depois, em outro cômodo, apesar de termos insistindo em que nos fizessem companhia. A mesa era uma peça alta, de aparência nobre, colocada a um canto da sala com uma extremidade e um lado encostados às paredes. A nós, reservaram a honra de sentar à outra ponta, numa das duas únicas cadeiras que se encontravam na sala e que, como mais tarde ficamos sabendo, eram de fato as duas únicas da casa. À nossa direita sentou-se o menino em um banco e sobre a mesa, sentado "à la turque", presidia o dono da casa. Essa cena repetia-se em todas as refeições.
Serviram-nos leite de cabra puro, que, com os comestíveis que havíamos trazido, constituiu excelente almoço. Ao meio dia ofereceram-nos deliciosa sobremesa de coco verde. Nosso primeiro passeio na ilha foi ao longo da praia, na maré baixa. Saímos em companhia do neto do Sr. Martinho. Numerosos objetos nos atraíram a atenção, e, à medida que caminhávamos, íamos ensinando ao garoto elementos de zoologia.
Percebemos um brigue ancorado a pouca distância da barra. Naturalmente se tratava de algum navio negreiro que ainda não tinha terminado o desembarque de sua carga humana. Esse é um dos recantos preferidos por essa espécie de traficantes, pois aí raramente são incomodados. Soubemos então que pouco tempo antes haviam descarregado duas remessas, na praia da ilha, a primeira de trezentas e cinquenta peças e a segunda de quatrocentas. Foi próximo a essa localidade que, por exceção, capturaram recentemente um brigue-escuna. Rumava para o Rio de Janeiro, mas, tenazmente perseguido por uma chalupa de guerra inglesa, o brigue-escuna aportou à ilha e descarregou cento e trinta escravos. Sabedor da ocorrência, o presidente de Pernambuco deu ordem a um brigue de guerra brasileiro para que saísse em perseguição do navio negreiro. Este foi, finalmente, aprisionado e comboiado para o porto. Tinha sido armado na Ilha do Príncipe e o que era mais extraordinário é que, tanto o capitão como os homens da tripulação, eram negros livres.
Daniel Kidder
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