Terminamos nossa perambulação
pela cidade, indo de noite à ópera. O teatro é colocado na parte mais alta da
cidade e o patamar diante dele domina o mais belo panorama imaginável. É um
belo edifício e muito confortável, tanto para os espectadores como para os
atores. Interiormente é muito grande e bem traçado, mas sujo, e precisando
muito ser pintado de novo. Os atores são muito maus como tais; um pouco melhor
como cantores, mas a orquestra é muito tolerável. A peça era uma tragédia muito
mal representada, baseada no Maomé de
Voltaire. Durante a representação os cavalheiros e damas portugueses pareciam
decididos a esquecer o palco, e a rir, comer doces e tomar café, como se
estivessem em casa. Quando os músicos, porém, começaram a tocar a ouverture do ballet, todas as vistas e vozes
voltaram-se para o palco. Seguiu-se a exigência de tocar-se o hino nacional e
só depois de tocá-lo e repeti-lo duas vezes permitiu-se que o ballet continuasse. Durante a algazarra
provocada por isso, um capitão do exército foi preso e expulso da plateia,
dizem uns que por ser batedor de carteiras, outros por estar empregando
linguagem imoderada em assuntos políticos quando se estava a exigir o hino
nacional.
Entrementes um dos nossos
guardas-marinha teve sua espada roubada, com habilidade, do canto do camarote,
ainda que não percebêssemos que houvesse entrado alguém. Chegamos à conclusão
de que um cavalheiro fardado no camarote vizinho entendeu que ela lhe conviria
e então afivelou-a ao voltar para casa.
A Polícia está aqui num estado
de desbarato. O uso do punhal é tão frequente que os assassínios secretos
geralmente atingem duas centenas por ano, compreendendo as duas cidades, a alta
e a baixa. Para esse malefício contribuem grandemente a escuridão e a
inclinação das ruas, que proporcionam uma quase certeza de fuga. O intitulado Intendente de Polícia é também juiz
superior em matéria criminal. Não há lei, contudo, que estabeleça os limites de
sua jurisdição, ou dos seus poderes, nem do Tenente-coronel de Polícia. Este
convoca alguns soldados de qualquer guarnição sempre que tem de agir, e designa
patrulhas militares também tiradas dos soldados em serviço. Acontece
frequentemente que pessoas acusadas perante esse formidável funcionário são
detidas e aprisionadas por anos, sem nunca serem levadas a julgamento; uma
informação maliciosa, quer falsa quer verdadeira, sujeita a casa particular de
um homem a ser aberta pelo coronel e seu bando. Se o dono escapa da prisão
ainda é bom, posto que a casa raramente escape da pilhagem. Nos casos de conflitos
e brigas na rua, o coronel geralmente ordena aos soldados que descarreguem as
bengalas e surrem o povo à vontade. Sendo tal o estado da Polícia, é ainda mais
admirável que os assassínios sejam tão poucos do que sejam tantos. Onde há
pouca, ou nenhuma justiça pública, a vindita privada toma o seu lugar.
Maria Graham
Nenhum comentário:
Postar um comentário