O Reino Búdico é um produto da escola Mahayana, de enorme interesse para todo estudioso e mitologia comparada pois, de um lado, mostra muitos pontos semelhantes à ideia ocidental de paraíso, mas, por outro, não é concebido como a meta última da vida espiritual, e sim como a penúltima. Uma espécie de porto de partida para o nirvana. E assim como existem muitos portos ao longo da costa de um grande mar, também ao longo do oceano do vazio foram criados muitos Reinos Búdicos. Sabemos do de Maitreya, Vairochana e Gautama, bem como do de Amida e, teoricamente pelo menos, mesmo o Paraíso de Cristo pode ser vivenciado como Reino Búdico. Na verdade, como um mecanismo de engate pelo qual a mitologia paradisíaca de qualquer religião pode ser acoplada à budista, o conceito de Reino Búdico torna possível à missão Mahayana penetrar em qualquer esfera religiosa e não destruir, mas acrescentar e complementar as formas locais.
O Reino Búdico de Amitabha surgiu, segundo se conta, pela virtude do voto que esse particular Salvador do Mundo fez quando era ainda um bodhisattva. Esse voto consistia na renúncia à iluminação para si mesmo a não ser que por seu Estado de Buda ele pudesse levar ao nirvana todo aquele que apelasse para seu nome - mesmo que não fizesse mais que repeti-lo dez vezes. E o poder de sua ioga era tal que em seguida surgiu no Ocidente um reino puramente visionário, o Reino da Felicidade (sukhavati), onde ele agora está sentado para sempre, como um sol se pondo (que, entretanto, jamais se põe), permanecendo para sempre (amitayus), imensuravelmente brilhante (amitabha), à margem de um grande lago de lótus. E todos os que invocam seu nome renascem sobre os lótus daquele lago, alguns em cálices abertos, outros ainda dentro de botões, segundo seus vários estágios espirituais, pois nem todos, na hora da morte, estão preparados para a plenitude da radiante luz redentora.
Quando morre um ser da mais alta categoria, um ser que praticou por toda a vida a verdadeira compaixão (karuna), não injuriou ninguém e observou rigorosamente todos os preceitos, Amitabha lhe aparece numa bola de luz, flanqueado por dois grandes bodhisattvas: Avalokiteshvara à esquerda e Mahasthama à direita. Inumeráveis budas históricos brilham por todos os lados, junto com seus monges e devotos, inumeráveis deuses e incontáveis palácios adornados com pedras preciosas. Um trono de diamantes é oferecido ao falecido pelos dois grandes bodhisattvas; todos estendem as mãos para ele a fim de dar-lhe boas vindas; o Buda Amitabha irradia seu corpo sobre raios de luz, e tendo contemplado tudo isto, com um pulo de alegria ele alcança o trono de diamantes, sendo levado em uma grande procissão para o Reino da Felicidade. Em todas as partes ouve-se o Dharma; veem-se raios brilhantes e florestas de pedras preciosas. E, vivendo a presença de todos aqueles budas, bodhisattvas, deuses e visões luminosas, banhado continuamente na luz de Amitabha, consciente de um espírito de resignação a quaisquer consequências que possam surgir, são-lhe dados incontáveis mantras de meditação para recitar e em pouco tempo ele alcança o nirvana.
No extremo oposto da moral, o ser que não alcançou absolutamente nada, o perverso, o estúpido, culpado de muitos crimes, aconselhado na hora da morte por algum amigo que lhe disse: "Mesmo se você não puder imaginar o Buda, pode pelo menos pronunciar seu nome", e depois de ter pronunciado o mantra de Adoração ao Buda Amitayus por dez vezes, ao morrer verá um lótus dourado, brilhante como o disco solar, em cuja corola ele então se encontrará envolvido. E nesse lago, permanecerá dentro do botão durante doze grandes eras, recebendo e absorvendo o tempo todo as influências radiantes do lago; até que, um dia, as pétalas se abrirão e todas as glórias do lago estarão à sua volta. Então, ele ouvirá as vozes, elevando-se em grande compaixão, dos dois grandes bodhisattvas, ensinando-lhe detalhadamente o verdadeiro estado de todos os elementos da natureza e a lei da expiação das faltas. Logo, rejubilando-se, ele dirigirá todos seus pensamentos para o Estado de Buda que, de fato, em breve alcançará.
Um purgatório suave suplantou aqui a imagem indiana do progresso espiritual pela reencarnação e se a data desta doutrina não fosse tão remota, poder-se-ia supor uma influência cristã. Entretanto, da maneira como estão as coisas, a interpretação mais plausível é que a influência do Irã e a doutrina de Zoroastro - que exerceram seu papel na formação da visão de Dante - tenham deixado suas pegadas aqui. Uma brilhante monografia recente sobre este assunto diz:
Não devemos esquecer que o primeiro apóstolo a levar o culto de Amida para a China foi um príncipe parta, Ngan Che-Kao, e que o império Kushana, onde surgiu pela primeira vez o culto a Amida, não era menos iraniano que indiano, não menos masdeísta que budista. Ngan Che-Kao era um arsácida que viveu na China de 148 a 170 d.C. (...) Além do mais, o trabalho de traduzir textos sagrados e de mascatear e confeccionar imagens sagradas, no segundo e terceiro séculos da nossa era, ficava a cargo principalmente dos súditos bactrianos e sogdianos do Yueh-chi. (...) Por isso, não é na própria Índia que devem ser procurados os fatores que contribuíram para a vitória de Amida, mas na zona intermediária entre a China e a Índia, onde prevaleceu a influência do Irã. (...) Tudo isso explica por que o culto de Amida, que na Ásia Central e Extremo Oriente desfrutou de tamanha expansão, parece ter sido pouco favorecido na própria Índia.
A Dra. Marie-Thérèse de Mallmann, autora desse importante estudo, demonstrou que os nomes Amitabha e Amitayus correspondem às caracterizações usuais do deus-criador persa Ahura Mazda, como o senhor tanto da luz quanto do tempo eterno, e ademais, que por todo o vasto domínio de influência religiosa persa (que, como sabemos, se expandiu com o exército romano para a Gália e a Bretanha), aparecem em muitos locais tríades divinas semelhantes à de Amitabha, sentadas entre seus dois grandes bodhisattvas de pé.
Em Reims, por exemplo, foi encontrado um altar galo-romano, cuja frente mostra, em alto-relevo, uma divindade com chifres sobre um trono baixo, tendo no antebraço esquerdo um recipiente em forma de cornucópia de onde caem grãos, e diante de seu trono, de frente um para o outro um touro e um veado comem dos grãos. O frontão acima apresenta a figura de um grande rato, que na Índia é o veículo animal do deus Ganesha, senhor (isa) das hostes (gana) de seu pai Shiva. Enquanto a cada lado, à direita e à esquerda desse rei celta, identificado como Cernunnos (que em outra circunstância aparece, como Shiva, com três cabeças) há um par de deuses, Apolo e Hermes-Mercúrio, de maneira muito semelhante aos dois grandes bodhisattvas.
A semelhança dessa composição simbólica com a tríade budista e, além disso, suas múltiplas associações com motivos incidentais do contexto Shiva-Buda, são demasiadamente próximas para serem acidentais. E se lembrarmos agora que o profeta persa Mani (216?-276? d.C), fundador do maniqueísmo, procurou sintetizar os ensinamentos do Buda, Zoroastro e Cristo, e que por volta do século V comunidades maniqueias já eram conhecidas desde o norte da África (onde Santo Agostinho foi um maniqueu professo de 373 a 382) até a China, tornar-se-á evidente que a religião de Amida não era de maneira alguma o único exemplo conspícuo de sincretismo intercultural nesse período genérico de ascenção e queda dos grandes impérios militares de Roma, Pérsia, Índia e da China da dinastia Han.
Em espírito, contudo, a religião de Amida é absolutamente diferente do dualismo ocidental, seja de revelação persa ou cristã. Em uma análise superficial, a base óbvia para manipulações sincréticas foi fornecida por uma afinidade não apenas de tradições, mas de imagética e objetivos espirituais gerais. Por exemplo: se compararmos a visão cristã do destino do homem com a hinduísta-budista veremos que em ambas o tema fundamental, a preocupação máxima, é a preparação do ser temporal para uma experiência na eternidade do summum bonum. Aqueles que na hora da morte se encontram despreparados têm que submeter-se após a morte a uma espécie de curso de pós-graduação, representado na imagem cristã pelo símbolo do purgatório e na hinduísta-budista pela reencarnação. Purgatório e reencarnação resultam, assim, homólogos. Igualmente, segundo ambas iconografias, aqueles tão incorrigíveis no vício que nenhuma influência da graça divina seria capaz de endireitar, permanecem como são, afastados de seu próprio bem supremo, quer no inferno eterno (a imagem cristã), quer em um círculo de renascimentos ininterruptos.
Porém, quando os dois sistemas são comparados mais de perto, aparecem diferenças significativas. Comparando a parte inferior das duas composições descobrimos que na imagem cristã do grande teatro da salvação os reinos animal, vegetal e inanimado da existência foram omitidos, enquanto na parte superior a inteireza máxima é Deus. A imagem ocidental é, por assim dizer, apenas o torso da outra; não chega a alcançar nem a de baixo do homem-feito-à-imagem-de-Deus nem a de cima do Deus-à-imagem-do-homem. Pois não importa quão soberba e etereamente Deus possa ser descrito, ele é sempre, em última instância, igual ao homem; tão grosseiramente igual como em toda a Bíblia, ou mais sutilmente, quando descrito como alguma espécie de presença abstrata contendo em grau superlativo as qualidades humanas de bondade, compaixão, justiça, sabedoria, ira e poder.
Em suma, enquanto os limites Homem-Deus do sistema ocidental resultam, em última instância, em uma interpretação do universo em termos de situação edípica (um bom pai criou um mau filho que pecou e agora precisa ser redimido), no Oriente a ordem antropomórfica é apenas o primeiro plano de uma estrutura maior. E, enquanto na estrutura antropomórfica se dá ao problema do universo uma moldura essencialmente ético-penal (em que as punições e provações são a doença, a derrota, o tormento e a morte, ficando porém inexplicado o sofrimento animal), a ética no Oriente - ser bom e obedecer ao pai - representa apenas o jardim de infância de uma escola superior. Portanto, enquanto na imagem ocidental do purgatório o fim último, o summum bonum a ser alcançado é a visão beatífica no Reino da Felicidade, na imagem budista Mahayana de Amida a própria visão beatífica é apenas a última fase do processo de purgação; não um fim último mas o último passo para algo além. A pessoa deve saltar para além de Deus-à-imagem-do-homem, homem-à-imagem-de-Deus e do universo conhecido pela mente. A própria mente, na verdade, deve quebrar e dissolver - na luz ardente da realização tanto acima quanto abaixo, fora e dentro - tudo o que ela concebeu: uma experiência do inefável, inimaginável nada (não-coisa), que é o mistério de toda existência, mas também nenhum mistério, já que ele é, na verdade, nós próprios e o que estamos vendo a cada minuto durante todo o tempo de nossas vidas.
Em consequência, nem a condição terrena do homem é interpretada no Oriente como uma punição por algo cometido, nem sua finalidade é tida como expiatória. O poder redentor de Amida não tem absolutamente nada a ver com expiação. Sua função é pedagógica, não penal. O objetivo não é a satisfação de um pai sobrenatural, mas o despertar do homem natural para a verdade. E sua única intenção é que a visão desse Buda e seu eloquente Reino da Felicidade levem a atingir essa finalidade de maneira mais fácil e rápida - e de modo mais abrangente - do que qualquer outro método pedagógico que se conheça.
O Reino Búdico de Amitabha surgiu, segundo se conta, pela virtude do voto que esse particular Salvador do Mundo fez quando era ainda um bodhisattva. Esse voto consistia na renúncia à iluminação para si mesmo a não ser que por seu Estado de Buda ele pudesse levar ao nirvana todo aquele que apelasse para seu nome - mesmo que não fizesse mais que repeti-lo dez vezes. E o poder de sua ioga era tal que em seguida surgiu no Ocidente um reino puramente visionário, o Reino da Felicidade (sukhavati), onde ele agora está sentado para sempre, como um sol se pondo (que, entretanto, jamais se põe), permanecendo para sempre (amitayus), imensuravelmente brilhante (amitabha), à margem de um grande lago de lótus. E todos os que invocam seu nome renascem sobre os lótus daquele lago, alguns em cálices abertos, outros ainda dentro de botões, segundo seus vários estágios espirituais, pois nem todos, na hora da morte, estão preparados para a plenitude da radiante luz redentora.
Quando morre um ser da mais alta categoria, um ser que praticou por toda a vida a verdadeira compaixão (karuna), não injuriou ninguém e observou rigorosamente todos os preceitos, Amitabha lhe aparece numa bola de luz, flanqueado por dois grandes bodhisattvas: Avalokiteshvara à esquerda e Mahasthama à direita. Inumeráveis budas históricos brilham por todos os lados, junto com seus monges e devotos, inumeráveis deuses e incontáveis palácios adornados com pedras preciosas. Um trono de diamantes é oferecido ao falecido pelos dois grandes bodhisattvas; todos estendem as mãos para ele a fim de dar-lhe boas vindas; o Buda Amitabha irradia seu corpo sobre raios de luz, e tendo contemplado tudo isto, com um pulo de alegria ele alcança o trono de diamantes, sendo levado em uma grande procissão para o Reino da Felicidade. Em todas as partes ouve-se o Dharma; veem-se raios brilhantes e florestas de pedras preciosas. E, vivendo a presença de todos aqueles budas, bodhisattvas, deuses e visões luminosas, banhado continuamente na luz de Amitabha, consciente de um espírito de resignação a quaisquer consequências que possam surgir, são-lhe dados incontáveis mantras de meditação para recitar e em pouco tempo ele alcança o nirvana.
No extremo oposto da moral, o ser que não alcançou absolutamente nada, o perverso, o estúpido, culpado de muitos crimes, aconselhado na hora da morte por algum amigo que lhe disse: "Mesmo se você não puder imaginar o Buda, pode pelo menos pronunciar seu nome", e depois de ter pronunciado o mantra de Adoração ao Buda Amitayus por dez vezes, ao morrer verá um lótus dourado, brilhante como o disco solar, em cuja corola ele então se encontrará envolvido. E nesse lago, permanecerá dentro do botão durante doze grandes eras, recebendo e absorvendo o tempo todo as influências radiantes do lago; até que, um dia, as pétalas se abrirão e todas as glórias do lago estarão à sua volta. Então, ele ouvirá as vozes, elevando-se em grande compaixão, dos dois grandes bodhisattvas, ensinando-lhe detalhadamente o verdadeiro estado de todos os elementos da natureza e a lei da expiação das faltas. Logo, rejubilando-se, ele dirigirá todos seus pensamentos para o Estado de Buda que, de fato, em breve alcançará.
Um purgatório suave suplantou aqui a imagem indiana do progresso espiritual pela reencarnação e se a data desta doutrina não fosse tão remota, poder-se-ia supor uma influência cristã. Entretanto, da maneira como estão as coisas, a interpretação mais plausível é que a influência do Irã e a doutrina de Zoroastro - que exerceram seu papel na formação da visão de Dante - tenham deixado suas pegadas aqui. Uma brilhante monografia recente sobre este assunto diz:
Não devemos esquecer que o primeiro apóstolo a levar o culto de Amida para a China foi um príncipe parta, Ngan Che-Kao, e que o império Kushana, onde surgiu pela primeira vez o culto a Amida, não era menos iraniano que indiano, não menos masdeísta que budista. Ngan Che-Kao era um arsácida que viveu na China de 148 a 170 d.C. (...) Além do mais, o trabalho de traduzir textos sagrados e de mascatear e confeccionar imagens sagradas, no segundo e terceiro séculos da nossa era, ficava a cargo principalmente dos súditos bactrianos e sogdianos do Yueh-chi. (...) Por isso, não é na própria Índia que devem ser procurados os fatores que contribuíram para a vitória de Amida, mas na zona intermediária entre a China e a Índia, onde prevaleceu a influência do Irã. (...) Tudo isso explica por que o culto de Amida, que na Ásia Central e Extremo Oriente desfrutou de tamanha expansão, parece ter sido pouco favorecido na própria Índia.
A Dra. Marie-Thérèse de Mallmann, autora desse importante estudo, demonstrou que os nomes Amitabha e Amitayus correspondem às caracterizações usuais do deus-criador persa Ahura Mazda, como o senhor tanto da luz quanto do tempo eterno, e ademais, que por todo o vasto domínio de influência religiosa persa (que, como sabemos, se expandiu com o exército romano para a Gália e a Bretanha), aparecem em muitos locais tríades divinas semelhantes à de Amitabha, sentadas entre seus dois grandes bodhisattvas de pé.
Em Reims, por exemplo, foi encontrado um altar galo-romano, cuja frente mostra, em alto-relevo, uma divindade com chifres sobre um trono baixo, tendo no antebraço esquerdo um recipiente em forma de cornucópia de onde caem grãos, e diante de seu trono, de frente um para o outro um touro e um veado comem dos grãos. O frontão acima apresenta a figura de um grande rato, que na Índia é o veículo animal do deus Ganesha, senhor (isa) das hostes (gana) de seu pai Shiva. Enquanto a cada lado, à direita e à esquerda desse rei celta, identificado como Cernunnos (que em outra circunstância aparece, como Shiva, com três cabeças) há um par de deuses, Apolo e Hermes-Mercúrio, de maneira muito semelhante aos dois grandes bodhisattvas.
A semelhança dessa composição simbólica com a tríade budista e, além disso, suas múltiplas associações com motivos incidentais do contexto Shiva-Buda, são demasiadamente próximas para serem acidentais. E se lembrarmos agora que o profeta persa Mani (216?-276? d.C), fundador do maniqueísmo, procurou sintetizar os ensinamentos do Buda, Zoroastro e Cristo, e que por volta do século V comunidades maniqueias já eram conhecidas desde o norte da África (onde Santo Agostinho foi um maniqueu professo de 373 a 382) até a China, tornar-se-á evidente que a religião de Amida não era de maneira alguma o único exemplo conspícuo de sincretismo intercultural nesse período genérico de ascenção e queda dos grandes impérios militares de Roma, Pérsia, Índia e da China da dinastia Han.
Em espírito, contudo, a religião de Amida é absolutamente diferente do dualismo ocidental, seja de revelação persa ou cristã. Em uma análise superficial, a base óbvia para manipulações sincréticas foi fornecida por uma afinidade não apenas de tradições, mas de imagética e objetivos espirituais gerais. Por exemplo: se compararmos a visão cristã do destino do homem com a hinduísta-budista veremos que em ambas o tema fundamental, a preocupação máxima, é a preparação do ser temporal para uma experiência na eternidade do summum bonum. Aqueles que na hora da morte se encontram despreparados têm que submeter-se após a morte a uma espécie de curso de pós-graduação, representado na imagem cristã pelo símbolo do purgatório e na hinduísta-budista pela reencarnação. Purgatório e reencarnação resultam, assim, homólogos. Igualmente, segundo ambas iconografias, aqueles tão incorrigíveis no vício que nenhuma influência da graça divina seria capaz de endireitar, permanecem como são, afastados de seu próprio bem supremo, quer no inferno eterno (a imagem cristã), quer em um círculo de renascimentos ininterruptos.
Porém, quando os dois sistemas são comparados mais de perto, aparecem diferenças significativas. Comparando a parte inferior das duas composições descobrimos que na imagem cristã do grande teatro da salvação os reinos animal, vegetal e inanimado da existência foram omitidos, enquanto na parte superior a inteireza máxima é Deus. A imagem ocidental é, por assim dizer, apenas o torso da outra; não chega a alcançar nem a de baixo do homem-feito-à-imagem-de-Deus nem a de cima do Deus-à-imagem-do-homem. Pois não importa quão soberba e etereamente Deus possa ser descrito, ele é sempre, em última instância, igual ao homem; tão grosseiramente igual como em toda a Bíblia, ou mais sutilmente, quando descrito como alguma espécie de presença abstrata contendo em grau superlativo as qualidades humanas de bondade, compaixão, justiça, sabedoria, ira e poder.
Em suma, enquanto os limites Homem-Deus do sistema ocidental resultam, em última instância, em uma interpretação do universo em termos de situação edípica (um bom pai criou um mau filho que pecou e agora precisa ser redimido), no Oriente a ordem antropomórfica é apenas o primeiro plano de uma estrutura maior. E, enquanto na estrutura antropomórfica se dá ao problema do universo uma moldura essencialmente ético-penal (em que as punições e provações são a doença, a derrota, o tormento e a morte, ficando porém inexplicado o sofrimento animal), a ética no Oriente - ser bom e obedecer ao pai - representa apenas o jardim de infância de uma escola superior. Portanto, enquanto na imagem ocidental do purgatório o fim último, o summum bonum a ser alcançado é a visão beatífica no Reino da Felicidade, na imagem budista Mahayana de Amida a própria visão beatífica é apenas a última fase do processo de purgação; não um fim último mas o último passo para algo além. A pessoa deve saltar para além de Deus-à-imagem-do-homem, homem-à-imagem-de-Deus e do universo conhecido pela mente. A própria mente, na verdade, deve quebrar e dissolver - na luz ardente da realização tanto acima quanto abaixo, fora e dentro - tudo o que ela concebeu: uma experiência do inefável, inimaginável nada (não-coisa), que é o mistério de toda existência, mas também nenhum mistério, já que ele é, na verdade, nós próprios e o que estamos vendo a cada minuto durante todo o tempo de nossas vidas.
Em consequência, nem a condição terrena do homem é interpretada no Oriente como uma punição por algo cometido, nem sua finalidade é tida como expiatória. O poder redentor de Amida não tem absolutamente nada a ver com expiação. Sua função é pedagógica, não penal. O objetivo não é a satisfação de um pai sobrenatural, mas o despertar do homem natural para a verdade. E sua única intenção é que a visão desse Buda e seu eloquente Reino da Felicidade levem a atingir essa finalidade de maneira mais fácil e rápida - e de modo mais abrangente - do que qualquer outro método pedagógico que se conheça.
Joseph Campbell
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