O superego divino, comumente chamado "Deus", é exatamente o intencional centro dos pios exercícios devocionais de auto-entrega. Tendo a este "Deus" como foco de atenção e centro de consciência, o devoto consegue livrar-se do seu ego individual. Isto lhe possibilita elevar-se acima da posição do indivíduo que vê muitas árvores mas não a floresta, e imagina ser uma árvore. Reconhece o caráter abrangente da floresta, ou seja, a identidade coletiva de todos os seres em "Deus". Este é um passo em direção à superação do dualismo do "eu" e do "tu", do conflito entre criaturas essencialmente semelhantes. Tudo é experimentado como uma só coisa, subsumido na única personalidade divina. Todas as criaturas, de todos os lugares e tempos, são "suas" manifestações continuamente mutáveis.
(...) O ego de Deus, a última entidade pessoal, é fundamentalmente tão irreal quanto o ego humano, tão ilusório como o universo, não menos insubstancial do que todos os outros nomes e formas do mundo manifestado; porque "Deus" é somente a mais sutil, a mais magnífica, a mais agradável impressão falsa de todas, neste espetáculo geral de errôneas auto-ilusões. Como as demais formas desta realidade flutuante e transitória, "Deus" existe apenas quando associado ao poder da falsa representação de si. Daí "Deus" não ser real. Além disso, está associado a seu próprio auto-engano tão só em aparência, ou seja, no que concerne a nós.
(...) Logo, só para as mentes não iluminadas Deus parece ser real, dotado de atributos como a onisciência, a onipotência, a autoridade universal, e disposto a atitudes de benevolência ou de cólera. As piedosas preocupações centradas ao redor de Deus, os ritos das várias comunidades religiosas e as reflexões dos seus teólogos, pertencem e sustentam a atmosfera do mais sutil e respeitável auto-engano. Logicamente, têm um valor inestimável como meios preliminares. Proporcionam uma espécie de escada pela qual o indivíduo totalmente egoísta pode subir a partir da escura prisão de seu próprio ego. Mas, quando alcança o último degrau e, por fim, está capacitado para transcender a conveniente verdade do monoteísmo pessoal, a escada deve ser abandonada. (...) O Ser supremo não está ávido por atrair imediatamente cada ser humano à sua esfera supramundana através da iluminação, nem mesmo difundir noções idênticas e corretas a respeito da natureza e função de sua divindade. Ele não é um Deus ciumento. Pelo contrário, permite e até se deleita com todas as ilusões diferenciadoras que acossam e obscurecem a mente dos homens. Dá boas-vindas e compreende todo tipo de fé e de culto. Embora seja Ele próprio o amor perfeito e se incline a todos os seus devotos não importando quais sejam seus níveis de entendimento, também é, ao mesmo tempo, soberanamente indiferente e absolutamente despreocupado, pois Ele mesmo não possui ego.
O Ser supremo, como "Deus", é fenomênico; é uma face nobre e majestosa pintada sobre o sublime vazio do Brahman, o verdadeiro Ser que carece de fisionomia e de todos os demais atributos e definições. O Brahman não está de fato envolvido na ignorância, apenas aparentemente o está; e só no estado de ignorância menos escuro, menos ativo e mais sereno, que é brilhante claridade. Não se pode dizer que "Deus" é enganado por sua própria atitude ilusória de soberano Super-Egoísmo, grande em sua onisciência, onipotência e senhoril autoridade. Quando o Senhor parece estar representando seu papel cósmico, não está envolvido na rede de ilusão que ele cria; a pantomima do papel divino não ilude o ator. Por isso, se "Deus" há de ser concebido desdobrando, conservando e penetrando o universo todo, dirigindo as propensões mentais dos seres finitos através de seu poder universal que a tudo controla, deve-se entender que está representando uma espécie de peça teatral para a qual não há espectador - como o faria uma criança. "Deus" é o solitário dançarino cósmico cujos gestos são todos os seres e todos os mundos, que surgem continuamente de seu infatigável e incessante fluxo de energia cósmica enquanto ele executa os gestos rítmicos, indefinidamente repetidos. Shiva, o deus que dança, não está enfeitiçado por sua dança.
(...) Nós, pequenos seres, estamos presos na armadilha da ilusão de todas estas formas fantasmagóricas. Na verdade, pensamos que somos seres humanos, que nosso ego individual é uma realidade, e, assim, nos agarramos a nós mesmos e à falsa realidade dos outros fenômenos atrativos e repulsivos que pululam ao nosso redor. Ao passo que "Deus" sabe que sua divina personalidade é uma máscara, uma falsa impressão que Ele sempre pode remover simplesmente voltando a sua substância indiferenciada; para nós, nossas próprias personalidades são tão densas e duráveis quanto nossa própria ignorância, e Deus, em sua personalidade, é o grande desconhecido. Sua natureza, para nós, imersos que estamos no estado de ignorância, é insondável. E não obstante o chamamos, com toda propriedade, de "Guia interior", pois pode tornar-se a luz que afastará as trevas da nossa ignorância. Assim como o sol ilumina o mundo e dissipa a escuridão, assim também o Ser divino, uma vez conhecido, ilumina a ignorância e dissipa seu produto: esta esfera fenomênica e todos os seus indivíduos fenomênicos. O sol jamais é contaminado pela escuridão.
(...) O ego de Deus, a última entidade pessoal, é fundamentalmente tão irreal quanto o ego humano, tão ilusório como o universo, não menos insubstancial do que todos os outros nomes e formas do mundo manifestado; porque "Deus" é somente a mais sutil, a mais magnífica, a mais agradável impressão falsa de todas, neste espetáculo geral de errôneas auto-ilusões. Como as demais formas desta realidade flutuante e transitória, "Deus" existe apenas quando associado ao poder da falsa representação de si. Daí "Deus" não ser real. Além disso, está associado a seu próprio auto-engano tão só em aparência, ou seja, no que concerne a nós.
(...) Logo, só para as mentes não iluminadas Deus parece ser real, dotado de atributos como a onisciência, a onipotência, a autoridade universal, e disposto a atitudes de benevolência ou de cólera. As piedosas preocupações centradas ao redor de Deus, os ritos das várias comunidades religiosas e as reflexões dos seus teólogos, pertencem e sustentam a atmosfera do mais sutil e respeitável auto-engano. Logicamente, têm um valor inestimável como meios preliminares. Proporcionam uma espécie de escada pela qual o indivíduo totalmente egoísta pode subir a partir da escura prisão de seu próprio ego. Mas, quando alcança o último degrau e, por fim, está capacitado para transcender a conveniente verdade do monoteísmo pessoal, a escada deve ser abandonada. (...) O Ser supremo não está ávido por atrair imediatamente cada ser humano à sua esfera supramundana através da iluminação, nem mesmo difundir noções idênticas e corretas a respeito da natureza e função de sua divindade. Ele não é um Deus ciumento. Pelo contrário, permite e até se deleita com todas as ilusões diferenciadoras que acossam e obscurecem a mente dos homens. Dá boas-vindas e compreende todo tipo de fé e de culto. Embora seja Ele próprio o amor perfeito e se incline a todos os seus devotos não importando quais sejam seus níveis de entendimento, também é, ao mesmo tempo, soberanamente indiferente e absolutamente despreocupado, pois Ele mesmo não possui ego.
O Ser supremo, como "Deus", é fenomênico; é uma face nobre e majestosa pintada sobre o sublime vazio do Brahman, o verdadeiro Ser que carece de fisionomia e de todos os demais atributos e definições. O Brahman não está de fato envolvido na ignorância, apenas aparentemente o está; e só no estado de ignorância menos escuro, menos ativo e mais sereno, que é brilhante claridade. Não se pode dizer que "Deus" é enganado por sua própria atitude ilusória de soberano Super-Egoísmo, grande em sua onisciência, onipotência e senhoril autoridade. Quando o Senhor parece estar representando seu papel cósmico, não está envolvido na rede de ilusão que ele cria; a pantomima do papel divino não ilude o ator. Por isso, se "Deus" há de ser concebido desdobrando, conservando e penetrando o universo todo, dirigindo as propensões mentais dos seres finitos através de seu poder universal que a tudo controla, deve-se entender que está representando uma espécie de peça teatral para a qual não há espectador - como o faria uma criança. "Deus" é o solitário dançarino cósmico cujos gestos são todos os seres e todos os mundos, que surgem continuamente de seu infatigável e incessante fluxo de energia cósmica enquanto ele executa os gestos rítmicos, indefinidamente repetidos. Shiva, o deus que dança, não está enfeitiçado por sua dança.
(...) Nós, pequenos seres, estamos presos na armadilha da ilusão de todas estas formas fantasmagóricas. Na verdade, pensamos que somos seres humanos, que nosso ego individual é uma realidade, e, assim, nos agarramos a nós mesmos e à falsa realidade dos outros fenômenos atrativos e repulsivos que pululam ao nosso redor. Ao passo que "Deus" sabe que sua divina personalidade é uma máscara, uma falsa impressão que Ele sempre pode remover simplesmente voltando a sua substância indiferenciada; para nós, nossas próprias personalidades são tão densas e duráveis quanto nossa própria ignorância, e Deus, em sua personalidade, é o grande desconhecido. Sua natureza, para nós, imersos que estamos no estado de ignorância, é insondável. E não obstante o chamamos, com toda propriedade, de "Guia interior", pois pode tornar-se a luz que afastará as trevas da nossa ignorância. Assim como o sol ilumina o mundo e dissipa a escuridão, assim também o Ser divino, uma vez conhecido, ilumina a ignorância e dissipa seu produto: esta esfera fenomênica e todos os seus indivíduos fenomênicos. O sol jamais é contaminado pela escuridão.
Heinrich Zimmer
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