23 de setembro de 2016

Carnaval


Não sei qual o motivo de tanta movimentação e expectativa em torno do carnaval. Nós já não vivemos em uma eterna folia o ano inteiro? Para mim, o carnaval deveria servir para celebrar outra coisa, que é o apogeu da determinação e da vontade de fazer as coisas do brasileiro. Como bem me disse meu sogro, carnaval é a ocasião certeira para deixar o carro na garagem na sexta-feira e retirá-lo somente na quarta-feira de cinzas. Aconselhado, fiquei acompanhando neste período, entre momentos de ócio produtivo e improdutivo, a folia pelo país inteiro pela TV, em casa. Fiquei impressionado.
No nordeste, uma semana antes do sábado de carnaval já era comemorada a festa popular mais aguardada do ano. O brasileiro é engraçado. Ninguém paga uma conta uma semana antes do vencimento. Ninguém cumpre o prazo de um projeto uma semana antes do combinado. Ninguém faz praticamente nada uma semana ou mesmo um dia antes do combinado, a não ser que se trate de carnaval e farra popular.
No interior mineiro, milhares (ou milhões?) de jovens não só das Gerais como também de estados vizinhos aglomeraram-se em prol da explosão do prazer carnavalesco, celebrado nas cidades históricas mineiras. A mobilização foi comovente. Micro-ônibus, ônibus fretados, rios e mais rios de dinheiro investidos em hospedagens caras, cervejas quentes e destilados de toda ordem que fizeram parte da folia. Quando é que houve uma mobilização desta magnitude para protestar contra a sofrível qualidade do ensino que os próprios jovens recebem? E quanto à falta de oportunidades no mercado de trabalho brasileiro que, aliás, registrou queda na renda e aumento no desemprego em janeiro? Já viram mobilizações contra estas mazelas sociais? Eu também não.
Já no Rio de Janeiro, berço do samba, suor e ouriço, eu vi as maiores provas de determinação, garra e luta de um povo. Vi gente que mal tem o que comer empurrando carros alegóricos de escola de samba em um calor de 40 graus, durante mais de uma hora. Vi desempregados vestirem fantasias carnavalescas pelas quais pagam mais de mil reais, em prestações a perder de vista. Vi gente chorar durante o desfile das escolas de samba, durante a votação pela escola de samba campeã e também durante a violência sofrida do lado de fora do sambódromo, após o desfile. Vi o prefeito César Maia, o governador Sérgio Cabral, todos no camarote da Sapucaí, no meio de risos e tapinhas nas costas.
Isso tudo mesmo com o caos urbano que aquela cidade vive. Isso mesmo após a morte dantesca do menino João Hélio. E toda multidão que se esforçou, pelejou e se matou durante o carnaval, jamais mostrou tamanho vigor para sair da própria miséria na qual se meteu. No Brasil, deveria ser proibido fazer carnaval. Não é nem pela óbvia soberba de fazer festa no meio de uma guerra civil não declarada. É porque até mesmo pra fazer festa, a gente tem que ter certeza que vai chegar vivo em casa. E claro, para a gente não se acostumar com a ideia de que pagar a luz é menos importante do que sassaricar na avenida.
 
Marcelo Scotton

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