Não só devido à irregularidade do leito das vias públicas como à diferença de nível entre a cidade baixa e a alta, o uso de carruagens se torna impraticável. Nem ao menos se veem carroças ou caminhões para o transporte de carga pesada. Tudo quanto precise ser transferido de um lugar para outro, nesse porto de mar que é o segundo da América do Sul, é carregado à cabeça ou aos ombros de homens. Aí, entretanto, quase todo o transporte é feito exclusivamente aos ombros, pois que, sendo o açúcar acondicionado em caixas e o algodão em fardos, essas principais mercadorias de exportação não podem ser carregadas à cabeça como o são as sacas de café.
Por isso veem-se chusmas de negros altos, atléticos, aos pares ou em grupos de quatro ou seis, transportando a carga suspensa em grossos paus. Outros tantos ficam encostados nos madeiros, tecendo palha, deitados nos passeios, dormitando pelas esquinas e dando aos transeuntes a impressão de enormes rolos de negras serpentes, reluzindo ao sol. Os que estão cochilando têm geralmente uma sentinela encarregada de os despertar, quando procurados por algum serviço, e, ao sinal combinado, levantam-se como elefantes, com sua carga. Tal qual os carregadores de café do Rio de Janeiro, os da Bahia cantam e gritam, quando em serviço. Seu andar, porém, é sempre tardo e medido qual marcha fúnebre, comparado com o trote acelerado de seus colegas fluminenses. Há outra classe de negros que se dedica ao transporte de passageiros, numa espécie de "sedan" a que chamam cadeira.
Estafante para o branco e mesmo perigosa, é a escalada das escarpas abruptas que vão ter à cidade alta, principalmente quando os raios do sol escaldam-lhe a cabeça livremente. O transeunte não encontra ônibus, carro ou sege que o transporte. Condizente com esse estado de coisas, acha porém, em todas as esquinas ou logradouros públicos, uma fila de cadeiras fechadas com cortinas, cujos portadores, de chapéu na mão, cercam avidamente os possíveis fregueses - sem a ousadia dos cocheiros de Nova York, é verdade - mas, perguntando com insistência: "Quer cadeira, Senhor?" Depois de acomodar o passageiro numa dessas cadeiras, os portadores suspendem-na e põem-se em movimento, provavelmente tão satisfeitos por terem conseguido um passageiro quanto este pela oportunidade de se deixar carregar. Na Bahia, as famílias precisam manter uma ou duas cadeiras, com os respectivos negros, da mesma forma que em outros lugares se tem carruagens e animais. O fardamento dos portadores, a finura das cortinas e dos ornamentos da cadeira, indicam a nobreza e os recursos de cada família.
Daniel Kidder
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